"Falo sobre amor, tem a sua posição. Não vou trair a minha verdade"

Estivemos à conversa com o músico brasileiro Vitor Kley.

Notícia

© Murilo Amancio

Mariline Direito Rodrigues
10/05/2024 08:40 ‧ 10/05/2024 por Mariline Direito Rodrigues

Fama

Vitor Kley

Nem o cansaço de uma viagem de longas horas entre o Brasil e Portugal roubou a simpatia de Vitor Kley no momento em que o Fama ao Minuto se encontrou com o músico para esta conversa. 

Aos 29 anos, o "último romântico", como já o chamaram diversas vezes, vive uma fase feliz da sua carreira.

Em 2018, lançou 'O Sol' e 'Morena'. músicas que o tornaram conhecido em 'terras de Vera Cruz' e por cá.

A luta pelo sonho já tinha começado ainda na juventude, quando decidiu deixar o ténis para se dedicar a tempo inteiro à música.  

Em Portugal, foi também notícia por causa do seu namoro com a atriz Carolina Loureiro - que terminou no início de 2022 - e por quem garante guardar um enorme carinho. 

Otimista incurável, Kley não deixa de ver o lado bom da vida, mesmo após uma cirurgia que fez ao joelho depois de romper um ligamento. Conta-nos que prefere ver o 'copo meio cheio' e que passou a valorizar coisas que lhe passavam despercebidas como o privilégio de conseguir andar. 

Foi operado no mês passado. Como está a correr a recuperação?

Bem. É um longo processo porque quase rompi o meu outro ligamento. Como tinha compromissos tive de cantar com uma tala, mas melhorou e a operação correu bem. Estou feliz porque achei que ia ser bem mais complicado. 

Como é que se magoou?

A jogar futebol. Amo, mas agora estou a repensar se volto a jogar, estou com medo [diz, sem evitar o riso]. Na verdade estou super feliz com a recuperação, acho que este tempo está a ser bom para a cabeça. De uma situação assim, dá para tirar algo muito positivo. Acabei por reparar em coisas que talvez não dava tanto valor por estar sempre bem. Caminhar, que coisa maravilhosa! 

O Vitor é uma pessoa muito positiva, daquelas que vê sempre o 'copo meio cheio'.

Sempre fui positivo, até pela educação que recebi da minha mãe, mas com o passar do tempo e lendo alguns livros isso foi aumentando. Quando ia reclamar de alguma coisa, lembrava-me das coisas que tinha lido. Se chega alguém que não gosta tanto da vida ou que está com problemas, tento levar a visão do outro lado do prisma. Há coisas positivas para se ver, basta querer olhar.

Quando fiquei competitivo comigo mesmo, percebi que estava a querer demais e que tinha de aproveitar a vidaIsso não é difícil de manter no mundo da música onde há competição?

É um exercício. É muito difícil alguém começar neste ramo e já saber tudo, mas com o passar do tempo vais percebendo como funcionam as coisas e o que para é melhor para ti. Busco muito essa paz dos dois lados. Quando fiquei competitivo comigo mesmo, percebi que estava a querer demais e que tinha de aproveitar a vida. Na música encontro pessoas mais ligadas a essa competição, que veem a vida de outra maneira com a qual eu talvez não concorde muito, mas olho e penso: 'tomara que encontrem o caminho de paz delas'. 

Quando a música 'O Sol' se tornou um sucesso no Brasil, como é que manteve os 'pés no chão'?

Chega quase a subir à cabeça, mas aí há uma coisa essencial, que é a família. Para mim é a base de tudo. A minha mãe falou-me sempre dos 'pés no chão' e o meu pai dizia para não ser 'mascarado'. Os meus pais ensinaram-me a ser humilde e a respeitar toda a gente. 

Mas vou ser sincero: quando as coisas estoiram aparecem convites de festas com famosos, para programas de televisão, são prémios que ganhas, são celebridades que se tornam tuas amigas, mas que tu não sabes se são amigas de verdade ou não... Eu e a minha equipa, quando sentimos que a energia não é natural e verdadeira, afastamo-nos. E mesmo quando queremos dar uma nova oportunidade, se não é da 'nossa onda', não vale a pena. 

Acredito em todas as religiões e em tudo o que faz bem às pessoas, mas de um ponto de vista mais espiritual acredito que há um outro plano a reger-nos e que quando estás conectado com esse plano há pessoas do outro lado a cuidarem de ti. 

Falou dos seus pais... Como é que lidaram com a sua escolha em seguir a música? Aconselharam-no a ter um plano B?

A minha mãe é artista plástica, então ela tem essa veia da arte. Foi ela que me ensinou a tocar em casa, ela toca piano, viola... E sempre me apoiou muito. Já o meu pai é muito mais conservador. Apoiava, porque via que eu gostava, mas no fundo ficava 'o que é que vai ser dele se isso não der certo'?

O meu irmão formou-se na faculdade de Administração com Gestão Empresarial, foi trabalhar no estrangeiro e quando voltou eu já estava a tocar em bares. Então largou o trabalho que tinha e começou a cuidar da minha carreira.

O meu pai ficou apavorado: 'Meu Deus, agora estão no mesmo negócio'. É um pensamento que é totalmente compreensível. Ele nunca me impediu de nada, apenas dizia para ficar atento.

Mas chegou a jogar ténis como o seu pai?

Joguei, joguei... Queria ser tenista. Cresci no meio dos troféus, bolas de ténis, raquetes, patrocínios, ele até tinha uma linha de sapatilhas assinada por ele. Eu queria ser igual a ele, mas que bom que eu errei! [ri-se]. 

Como é que passou do ténis para a música?

A minha mãe, por ser do ramo da arte, era professora, então tinha uma vertente didática. Ela dizia para fazer tudo o que eu amava. Lembro-me de quando tinha uma certa idade perguntar-lhe: 'Mãe, será que se eu parar de jogar ténis o pai vai ficar bravo comigo?'. E ela dizia 'não, filho. O teu pai jamais vai ficar bravo contigo, vai fazendo o que amas. Vai fazendo os dois que uma hora a vida vai decidir'. 

E isso aconteceu. Começaram a vir propostas interessantes para o lado da música e quando dei conta larguei o ténis. 

Com que idade começou a dar os primeiros concertos?

Fiz um concerto de lançamento em 2010, devia 13/14 anos, de um disco que uma pessoa amiga da minha família investiu em mim. Depois disso já tocava na escola e alguns bares começaram a contratar-me. 

Houve um grande mentor, o João Coiote, que já tocava em bares e ele começou a viajar com o Armandinho, um grande artista musical que foi meu padrinho. Quando ele viajava, os bares ficavam sem ninguém e ele colocava-me a mim. 

Quando veio o 'Morena', aí sim. Até lá era uma vida de batalhas, tentativas, chegava a lugares onde não havia ninguém para assistir, essas coisas...

Em que momento é que sentiu que poderia fazer da música vida?

Foi quando 'O Sol' estoirou. Estava a conseguir pagar as contas do meu pai, que tinha algumas coisas pendentes, ia arrendar um apartamento melhor porque estava num lugar do meu produtor... Depois quando veio o 'Morena', aí sim. Até lá era uma vida de batalhas, tentativas, chegava a lugares onde não havia ninguém para assistir, essas coisas...

Os bares são uma grande escola para a música, porque normalmente estamos a tocar e há barulho de talheres, as pessoas estão a comer. Tu não és a atração principal, apenas uma música ambiente 

Quando não há ninguém, como é que se atua?

Os bares são uma grande escola para a música, porque normalmente estamos a tocar e há barulho de talheres, as pessoas estão a comer. Tu não és a atração principal, apenas uma música ambiente, e quando compreendes isso entendes que precisas de fazer o teu melhor para que as pessoas estejam com ouvidos confortáveis, felizes com a tua música. Quando vais de um bar para um palco vês que as pessoas estão a vibrar contigo, é a coisa mais maravilhosa do mundo. 

Tem alguma superstição quando sobe a palco? 

Tenho várias! Fazemos uma roda no camarim, com todos os braços e mãos juntos, para que a energia esteja canalizada e que passe para o público. É um momento nosso em que estamos conectados. Ando sempre com os meus anéis e com a cor roxa, desde o lançamento do álbum. 

Porquê roxo?

É a cor principal do nosso álbum - 'A Bolha' - que foi lançado no meio da pandemia. Foi um álbum que transformou a nossa onda musical. O 'Amor é o Segredo' tem mais arranjos de cordas e a cor roxa é momento de transformação, um pé na melancolia. 

  Notícias ao Minuto Capa do disco 'A Bolha'© Divulgação  

O estatuto de cantor romântico é algo que o agrada?

Agrada! 

Há artistas que não gostam, porque preferem ser mais diversificados. Mas o Vítor não se importa...

Sou uma pessoa que não se importa com muita coisa [ri-se]. A partir do momento em que te tornas artista, passas a ser uma peça de engrenagem do povo, não és tu que controlas. Não posso chegar e dizer 'olhem, eu sou rock 'n' roll' e querer que aceitem. Há pessoas que dizem que sou o último romântico, outros que sou a esperança da música, porque toco viola ao vivo. A partir do momento em que as músicas saem de mim, pertencem ao público.

Como é o seu processo de criação?

Há um certo estudo por trás da teoria da composição. Ouço vários artistas de que gosto e pergunto porque é que escreveram aquilo. Fiz um curso de composição quando estava a escrever 'O Sol' e foi muito bom, porque se estudam músicas de sucesso. 

Falando da parte da inspiração, são coisas da vida. Adoro inventar palavras novas. Escrevi agora uma, nem sei quando é que vou lançar, [porque] toda a gente me dizia: 'Vitor, tu estás vivão e vivendo'. É como se eu estivesse a aproveitar muito a vida. Pensei que isso era ótimo para uma música. 

Chegou a inventar um verbo novo: adrenalizou.

Sim. Eu comecei a música porque costumava dizer que estava 'adrenalizado' quando saía dos espetáculos. Procurei na internet e não existia essa palavra. Depois peguei em várias coisas relacionadas com adrenalina. 

A música ajudou muita gente, principalmente pessoas que estavam com depressão, como o meu pai. Ele é depressivo e a música ajudou-o 

O 'Farol' foi outra música marcante, embora por motivos diferentes.

Aconteceu numa altura em que que tinha três centavos no banco e já nem olhava para a minha conta. Quando lançámos a música eu não era o Vitor Kley, era um rapaz que estava a tentar uma carreira. Uma rádio gostou e tocou-a. Um dia eu e o meu irmão estávamos assim um pouco 'apertados' de dinheiro e fui ver a conta, para ver se tinha sido depositado algum dinheiro. Entraram 3.500 reais (630 euros) dos direitos autorais de 'Farol'. Lembro-me da minha alegria. 

Além disso, a música ajudou muita gente, principalmente pessoas que estavam com depressão, como o meu pai. Ele é depressivo e a música ajudou-o. O videoclipe é com ele, super simples. Eu no teatro depois de meses sem o ver. Ele não sabia que eu ia aparecer a cantar. Aquela música mudou-lhe um pouco visão, transformou a vida dele. É uma música muito especial, sincera, do coração. 

Depois de um tempo as músicas são de toda a gente. É um pouco egoísta da minha parte não cantar, porque traduz o sentimento de várias pessoas 

Uma vez que se inspira em pessoas para criar músicas, quando acaba um relacionamento, por exemplo, e volta a cantar uma canção que fez para essa pessoa, não é estranho?

É muito estranho! Quando acabou há pouco tempo, mexe muito. Por exemplo, o 'Farol'. Durante muito tempo deixei de a tocar porque chorava muito. Sentia que o espetáculo ia para um lugar de tristeza. Decidi não a tocar até me sentir seguro. 

Quando se acaba um relacionamento também é a mesma coisa. Sobretudo quando é bom e infelizmente não vai para a frente. Só que depois de um tempo as músicas são de toda a gente. É um pouco egoísta da minha parte não cantar, porque traduz o sentimento de várias pessoas. 

Como é que lida com a exposição da vida pessoal?

Aqui [em Portugal, quando namorava com Carolina Loureiro] era uma doideira! Lembro-me que via as revistas e perguntava 'o que é isto?'. 

Foi estranho para o Vitor?

Foi divertido, sabia? Porque era como se fosse um filme. No Brasil já não havia muitas revistas e aqui tinha. Às vezes, parava o carro para abastecer e via. Mas falando da exposição, a nossa trajetória não foi assim do nada.

Até 'O Sol' acontecer já tínhamos tocado em muitos lugares, feito várias tentativas, já estávamos um pouco calejados. Eu até brinco e digo que tenho a 'minha ficha limpa', não tenho nada de errado com ninguém, então a exposição dos meus relacionamentos ou das minhas opiniões não transformam [esse lado].

Há a questão do cancelamento. Tem medo que isso lhe aconteça?

Medo de ser cancelado toda a gente tem. Só que ao mesmo tempo não dá para deixarmos de ser nós mesmos. Se estiver a fingir uma coisa, chega a uma hora que se vai descobrir. Claro que tenho cuidado com as minhas palavras, mas eu sou assim em todo o lado. Tento sempre que toda a gente viva em paz e que as pessoas más repensem os seus pensamentos.

Vou continuar nessa minha 'onda' que faz bem à criança, ao pai da criança, que faz com que eu chegue a casa e a minha família esteja orgulhosa de mim No Brasil é fácil manter esse equilíbrio?

Não é fácil... Mas eu venho aqui para falar sobre o amor e acho que ele tem a sua posição. Há pessoas que vêm para falar de política, nascem com esse perfil, eu não, nasci com a arte e a música. Se eu sair desse lugar e começar a falar sobre política vou trair a minha verdade. Vou continuar nessa minha 'onda' que faz bem à criança, ao pai da criança, que faz com que eu chegue a casa e a minha família esteja orgulhosa de mim.

E quanto à atenção feminina? Recebe mensagens atrevidas no Instagram?

Às vezes enviavam-me uns vídeos no Instagram, abria e depois ficava: 'o que é isso?'. Estou muito ingénuo [ri-se]. Ia ver as coisas em que me marcavam depois dos espetáculos para perceber como estava o som e via que me marcavam em 'nudes'. Hoje gosto muito mais de estar próximo dos meus amigos, a cultivar essas amizades reais, do que ficar a olhar essas coisas que vêm aleatórias. 

Namoraria com uma fã?

Namoraria, se ela for simpática, tiver uma visão da vida bonita... É bom que essa pessoa admire o meu trabalho, mas ao mesmo tempo tem de somar. Acho que estamos aqui todos para evoluir. Por uma companheira sinto muito isso. Ligo muito para o lado intelectual, ela dar-me um livro como presente, por exemplo. Isso é muito especial. Também gosto de pessoas que são de família, que gostam de criar laços. 

O que é que é preciso para se ser amigo do Vitor?

Muita verdade. Se tem uma coisa que me tira do sério é a mentira. Tem de querer gostar da vida. 

E quanto ao futuro? Para quando os concertos aqui por Portugal?

No dia 9 de agosto vou estar Monchique, Algarve, e no dia 14 de setembro vou estar na FICTON, em Tondela. Também vou cantar na Gafanha da Nazaré a 14 de agosto. 

Como é cantar aqui?

Temos um enorme carinho [pelo público português], sinto uma conexão verdadeira. Gosto das bandas daqui, como os Xutos & Pontapés, Expensive Soul... Mesmo a minha história com a Carolina sinto que tudo isso contribuiu para uma relação de carinho com Portugal. O público sente que gosto mesmo dele. Além disso, as pessoas prestam atenção nas palavras das músicas, param para ouvir o que se diz. Acho isso muito lindo. Enquanto compositor ver que prestigiam a letra da canção tem muito valor para mim. 

Leia Também: Vitor Kley operado de urgência. "Foi feio. Não está no nosso controlo"

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