A petição contra a violência sobre as mulheres continua a somar assinaturas, tendo ultrapassado, até à data, as 150 mil.
Iva Domingues fez questão de destacar este feito, promovendo de novo a iniciativa.
"Agradecemos a publicidade aos que estão connosco, mas também aquela que foi feita, nas últimas 24 horas por aqueles que odeiam as mulheres... Valeu! Chegámos às 150 mil! Seguimos", disse.
© Instagram_ivadominguesoficial
Na referida petição, pode ler-se:
Excelentíssimo senhor Presidente da Assembleia da República, senhoras e senhores deputados. Petição contra a violência sobre as mulheres. A presente petição tem como objetivo sensibilizar vossas excelências para a urgência de legislarem, mais uma vez, sobre medidas mais eficazes de prevenir e de reprimir crimes de violência contra as mulheres, com alterações ao Código Penal no que respeita à violência sexual e bem assim no que concerne à violência doméstica, sobretudo nos casos em que se verifica homicídio nesse contexto.
A Convenção de Istambul, a que o Estado português está vinculado, impõe a perseguição do crime independentemente da vítima e o grau de cumprimento oferecido pelo Código Penal português é insatisfatório. O Ministério Público 'pode' (segundo um critério insindicável) dar início ao processo, que todavia mantém a natureza semipública, e a vítima pode desistir até ao fim da audiência de julgamento, o que a expõe a todas as coações imagináveis por parte do violador.
Ao nível europeu e mundial, a forte condenação do crime de violação, que o abominável processo em que Gisèle Pelicot resolveu dar voz a tantas vítimas silenciosas ilustra, reclama esse passo do legislador. Não ignoramos que tal crime, previsto no contexto dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, e constituindo aliás o crime mais grave nesse âmbito, foi tradicionalmente concebido como semipúblico e que por essa a razão o procedimento criminal depende de queixa da vítima. Todavia, todos os dados atualmente conhecidos revelam que essa exigência implica a impunidade de muitos crimes de violação – podemos mesmo dizer que determina a impunidade da sua grande maioria.
Tal como sucede na violência doméstica, acertadamente transformada em crime público, também neste caso as vítimas receiam a retaliação do agressor e a própria estigmatização social. Por isso, o crime de violação deveria passar a ser público, não apenas pela sua natureza e pela dignidade e carência de tutela dos bem jurídicos protegidos (que envolvem diretamente, para além da liberdade e da autodeterminação sexual, a essencial dignidade humana) mas também pelo risco de o agressor escapar impune na maioria dos casos e prosseguir a sua carreira criminosa. Como é sabido, este crime exprime fortes tendências compulsivas e apresenta taxas de reincidência elevadas.
Por outro lado, não deve recear-se que esta transformação do crime possa conduzir a condenações injustas. O Ministério Público na fase de inquérito e os tribunais nas fases subsequentes do processo terão de investigar se o crime de violação foi mesmo cometido, tendo em conta as regras gerais de imputação penal e as garantias concedidas à defesa – incluindo os princípios constitucionais da presunção de inocência e in dubio pro reo. Em termos de política criminal, ou seja, da aprovação de medidas tendentes a prevenir a prática de crimes e a violação de direitos, as necessidades reforma legislativa situam-se noutro plano e impõem a referida conversão em crime não dependente de queixa.
Por outro lado, em face da persistência e aumento do número de crimes de violência doméstica, mostra-se urgente que a Lei penal, correspondendo à maior gravidade e censurabilidade social das condutas criminosas, puna com mais severidade este tipo de crime, por forma a tornar menos frequente o recurso à suspensão da execução da pena, que muitas vezes expõe as vítimas à reincidência e ao próprio homicídio, dado o elevado grau de perigosidade da violência doméstica.
Além disso, no agravamento da pena deve ser ainda tida em conta a circunstância de a tipificação do crime de violência doméstica tipificar um verdadeiro crime continuado (e independentemente do grau de culpa), em que o agressor é punido por um só crime (e, para mais, independentemente do grau de culpa), ainda que tenha agredido repetidamente a vítima durante anos. Mesmo que se admita que há casos em que é difícil determinar o número exato de crimes cometidos, também este regime carece de revisão, no sentido da agravação da responsabilidade penal do agressor.
Ainda no domínio da violência doméstica, importa consagrar expressamente a regra do concurso de crimes sempre que a agressão ocorra perante os filhos da vítima direta. Também cada um deles é então uma vítima autónoma de violência doméstica, que também compreende maus-tratos psíquicos, como é, por exemplo, uma brutal agressão da mãe da criança.
Por fim, e em cumprimento estrito da Convenção de Istambul, revela-se aconselhável que se autonomize o crime de feminicídio, tendo em conta os seus contornos específicos, o contexto que favorece a sua prática, os plúrimos bens jurídicos e valores violados para além da própria vida e as consequências danosas para os filhos, sobretudo se forem menores. Assim, pelas razões expostas e em nome da defesa das vítimas, os signatários da presente petição vêm instar as Senhoras e os Senhores Deputados a tomarem as medidas legislativas necessárias à transformação da violação em crime público e bem assim legislarem no sentido de ser punível com penas mais gravosas o crime de violência doméstica e de ser autonomizado o crime de feminicídio dada a frequência e a perigosidade deste tipo de homicídio, que causa um impacto mais grave ainda na formação e no desenvolvimento das crianças."
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