Quem conhece o chef Francisco Moreira sabe que a paixão pela pastelaria vem desde cedo. 'O que queres ser quando fores grande?' - A resposta foi sempre a mesma, pois Francisco já sabia que o seu mundo profissional teria de ser dentro da cozinha. Cresceu e fez o curso na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, onde, conta, descobriu a melhor parte desta arte que o fez ficar desde logo apaixonado.
Aos 27 anos, conta já com passagens em espaços de renome, tendo trabalhado ao lado de várias estrelas. Passou pelo Grande Real Villa Itália, em Cascais, e pelo Tavares Rico, em Lisboa. Voltou a Cascais, ao lado de Joaquim Sousa no The Oitavos, e chegou a chefe de pastelaria da Fortaleza do Guincho. O seu percurso em Portugal culminou como responsável pela área de pastelaria do grupo Olivier. Posteriormente, mudou-se para Espanha para coordenar a mesma área no restaurante M.B. (distinguido com duas estrelas Michelin), em Tenerife. Atualmente, trabalha na Chocolate Academy, na Bélgica, onde é consultor e ensina a arte do chocolate aos visitantes e aprendizes.
Agora, vai partilhar o seu saber ao pequeno ecrã. Depois de uma pequena participação no programa ‘Best Bakery - A Melhor Pastelaria de Portugal’, da SIC, Francisco conseguiu o seu cantinho no 24Kitchen, estando prestes a estrear-se no canal com o seu primeiro programa: 'Doces do Ofício', que chega já na próxima segunda-feira, dia 4 de março, às 21h00.
Um convite que surgiu através do Instagram, rede social que usa para mostrar os frutos do seu trabalho. Aliás, reconhece, as redes sociais são uma importante ferramenta para dar a conhecer o seu talento. Ainda que “o visual não seja o mais importante”, realça, é principalmente esse “efeito” que cativa a atenção das pessoas, aspeto que é fácil de divulgar no mundo virtual e posteriormente fazer crescer água na boca.
Em conversa com o Lifestyle ao Minuto, o chef Francisco fala abertamente sobre este novo desafio que o fez voltar a Portugal por umas semanas para mostrar mais uma vez o seu talento. Dar a conhecer várias receitas e provar que é possível sermos mais sofisticados em casa, sem comprometer o pragmatismo é o seu principal objetivo.
Como descreve esta experiência?
Foi muito boa, muito desafiante porque eu não tinha esta base. Quer dizer, não tenho. Foi a única experiência assim que tive. Mas muito positivo, aprendi muito, ajudaram-me muito também. As coisas correram bem… Agora resta saber a aceitação. Estou mesmo contente.
Queremos tentar mostrar às pessoas que elas podem realmente fazer uma coisa um bocadinho diferente, não necessariamente sendo mais difícilE o que nos pode revelar sobre o que aí vem?
O que tentámos fazer foi mostrar pastelaria em diferentes aplicações, não só fazer bolos. Tentámos fazer várias coisas diferentes. Portanto, é uma abordagem à pastelaria em geral. Acima de tudo, tentar mostrar às pessoas que elas podem realmente fazer uma coisa um bocadinho diferente, não necessariamente sendo mais difícil. A ideia é que toda a gente consiga agarrar naquelas receitas e até transformá-las à sua maneira. Inspirar um bocadinho as pessoas. Tentámos ter uma panóplia de temas diferentes dentro da pastelaria, abordando diferentes técnicas, sabores... Dar uma imagem geral da pastelaria para que as pessoas também se inspirem com isso.
É importante haver programas dedicados só à pastelaria em vez dos habituais salgados?
Sim! É muito importante! A cozinha é um mundo, a pastelaria é um mundo, a padaria é um mundo… São áreas diferentes e é importante fazermos essa distinção. Não quer dizer que eu não possa cozinhar e que um cozinheiro não possa fazer uma sobremesa, obviamente que sim. Mas fazendo desta forma conseguimos abordar muito mais o tema, que neste caso é a pastelaria em geral. Conseguimos ir muito mais além, fazer coisas diferentes, porque estamos dedicados só a isto. Ainda assim, é muito difícil mostrar tudo porque é um área muito vasta. É tão importante ter um programa só dedicado a isto como ter outros dedicados só à cozinha porque são mundos completamente diferentes.
Além de fazer os habituais doces... é bom cozinheiro?
Tirei o curso de cozinha e pastelaria e cozinho em casa para mim, para amigos, para a minha namorada, mas cozinho sempre por gosto, porque gosto de cozinhar. Acho que para seres cozinheiro e fazeres disso uma profissão tens de, como em pastelaria, procurar novidades, tentando, experimentando… Cozinho bem, mas aqui em casa num formato um bocadinho mais amador.
A ideia foi sempre ter uma linha por onde seguir e com essa base pensar em receitas que poderia fazer aplicadas àquele temaO gosto pela profissão fez com que se esquecesse das câmaras?
Não [risos]! Quando estás atrás de uma câmara tens muitas coisas em que te focar. Ajudou o facto de me sentir à vontade com as receitas, com a pastelaria, obviamente. Por esse lado estava mais tranquilo. Por isso, de certa forma, sim, ajudou-me, mas ao fim ao cabo são coisas diferentes. Acaba sempre por ser um período de adaptação.
Qual foi o maior desafio durante as gravações?
Foi pôr isto tudo junto. Fazer uma receita e estar concentrado nisso, mas ao mesmo tempo estar concentrado no facto de ter de passar a mensagem de uma forma direta e o mais simples possível, conseguir mostrar todos os passos… Tentar pôr isto tudo junto para que no final as pessoas vejam, entendam e gostem. Tentar passar a mensagem, ainda que haja as câmaras e situações que normalmente nós, pasteleiros, não temos no dia a dia. E a preparação que existe por trás, a colaboração que tens de ter com toda a equipa… É muito mais do que se vê, mas tudo isto é o que faz com que as coisas também corram bem.
Como é que normalmente surgem as receitas? Tem alguma inspiração?
Dividimos cada programa num tema. Então, o que eu fiz foi pensar nos 22 temas e depois, dentro de cada tema, já tenho uma linha de seguimento. A ideia foi sempre ter uma linha por onde seguir e com essa base pensar em receitas que poderia fazer aplicadas àquele tema. Foi tentar, dentro de um tema, arranjar três receitas. Claro que na pastelaria tens as receitas base e depois a partir daí brincas e adaptas. As receitas, a base da pastelaria, é a mesma e depois é o que tu fazes com elas.
Além deste programa, e depois de ter trabalhado em grandes espaços, atualmente é um dos formadores da Chocolate Academy, na Bélgica. Tudo isto é um reconhecimento do seu trabalho.
É uma consequência do meu trabalho, e nesta área é muito assim que funciona. A tua experiência profissional é o que faz depois que outros sítios tenham interesse em ti. Não vejo tanto como um reconhecimento. Se calhar, um reconhecimento do esforço, mas, acima de tudo, é o trabalho que te leva depois mais longe.
Dou por mim a pensar como é que isto tudo me aconteceu. São coisas que nem sequer tinha pensado, mas sem dúvida que é um sonhoTudo isso é um sonho de menino concretizado?
O que consegui profissionalmente até hoje, sem dúvida. Dou por mim a pensar como é que isto tudo me aconteceu. Claro que sei como é que aconteceu, porque felizmente tenho tido um percurso profissional que me tem corrido bem e como eu quero. É um sonho, sim, não sei se é um sonho de menino porque nem eu alguma vez pensei estar na Bélgica a ensinar, fazer um programa de televisão. São coisas que nem sequer tinha pensado, mas sem dúvida que é um sonho, sim.
O que o fez ficar apaixonado pela pastelaria?
Quando entrei no curso de pastelaria, supostamente, ia seguir cozinha. Mas depois comecei a conhecer a pastelaria que a generalidade das pessoas não conhece. Uma pastelaria mais fina, mais cuidada, com produtos diferentes… Diria que foi o facto de ter percebido, num certo ponto da minha carreira, que a pastelaria tinha todo um mundo por explorar ainda, e continua a ter, e há-de sempre ter. Além disso, o facto de poder adaptar, ‘brincar’ com as coisas e construir uma coisa nossa. Nem em todas as profissões podes fazer coisas tuas e a pastelaria, como a cozinha, permite-te fazer isso, mas num nível muito mais artístico, se calhar, do que na cozinha. É uma profissão que te permite ter uma identidade.
Uma coisa de que não gosto nada que é ir a um restaurante, pedir uma mousse de chocolate e ter aquela clara de ovo que fica no fundo, que é sinal de que a mousse já foi feita há não sei quantos diasQual o pior e o melhor doce que já provou?
Não sou uma pessoa de comer muitos doces, mas há coisas que gosto e como sempre. E são as coisas mais simples, como uma mousse de chocolate, um arroz doce… O melhor... nós fizemos uma sobremesa há uns tempos no Guincho que era com castanhas, yuzu e merengue. Falando em combinações de sabores, é capaz de ter sido das melhores que já provei. Foi uma sobremesa feita em equipa. A pior… não sei, mas há uma coisa de que não gosto nada que é ir a um restaurante, pedir uma mousse de chocolate e ter aquela clara de ovo que fica no fundo, que é sinal de que a mousse já foi feita há não sei quantos dias. Não consigo…
Tenciona regressar a Portugal?
Para já, não está nos meus planos. Se surgisse uma boa oportunidade claro que sim, mas não é uma obrigatoriedade.
Qual o segredo de um bom pasteleiro?
Para mim, o segredo de qualquer profissão, e até a nível pessoal, é ser humilde sempre e, obviamente, tens de ser uma pessoa extremamente dedicada e com espírito de sacrifício. Se fores um bom profissional no geral, consegues sempre ir longe. Depois tens de saber que os tempos mudam, as coisas adaptam-se e tens de ir acompanhando esse desenvolvimento, estar preparado para isso e ter sensibilidade de perceber que, por exemplo, se vais fazer um brownie de chocolate, se calhar, não vais acompanhar com um doce de leite em cima porque são duas coisas muito doces. Se vais fazer uma coisa que é muito doce, se calhar tens de introduzir um gelado de limão porque é mais ácido… Esta sensibilidade na pastelaria é muito importante e, no fundo, é um bocadinho destas características todas que, para mim, um bom pasteleiro deve ter.