"Nove em cada 10 cancros do pulmão poderiam ser prevenidos"

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, Gonçalo S. Paupério, tece um retrato da evolução da abordagem cirúrgica do cancro do pulmão, aproveitando ainda para defender a necessidade de aposta na prevenção e na realização de rastreios para deteção da doença num estadio precoce.

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© Gonçalo S. Paupério 

Filipa Matias Pereira
21/05/2019 08:30 ‧ 21/05/2019 por Filipa Matias Pereira

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Gonçalo S. Paupério

Tosse persistente, por vezes acompanhada de sangue, alteração da cor ou do volume da expectoração, falta de ar, diminuição de peso e problemas recorrentes como pneumonia ou bronquite. Estes são alguns dos principais sintomas indicativos de cancro do pulmão.

Esta patologia, refira-se, é a segunda causa de morte por doença oncológica em Portugal e a que mais mata em todo o mundo. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no documento 'Causas de Morte 2017' (que integra dados recolhidos até 5 de dezembro de 2018), o aumento das mortes provocadas por tumores malignos do pulmão, traqueia e brônquios fez com que, em Portugal, em 2017, morressem quase tantas pessoas devido a estas neoplasias (4240) como por enfarte agudo do miocárdio (4542).

Perante este cenário, torna-se imperioso aferir qual a evolução da abordagem cirúrgica subjacente a este tipo de cancro. Esta foi, precisamente, a questão que deu o mote à entrevista do diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, Gonçalo S. Paupério, ao Notícias ao Minuto.

A incidência do cancro do pulmão nos portugueses, no entendimento do cirurgião cardiotorácico, não pode ser dissociada dos padrões de consumo de tabaco na atualidade. Para além "dos hábitos tabágicos", reforça o especialista, "o aumento da poluição atmosférica" assume igualmente uma posição preponderante nas causas que poderão justificar o surgimento desta neoplasia.

Se aumenta o número de pessoas que fuma, aumenta também o número de pessoas com cancro"Nove em cada 10 cancros do pulmão devem-se a hábitos tabágicos", explica. Portanto, a equação é clara: "Se aumenta o número de pessoas que fuma, aumenta também o número de pessoas com cancro". Saliente-se ainda que, nos últimos anos, tem-se registado um aumento do tumor do pulmão na população feminina - uma realidade que pode estar associada "ao aumento de mulheres que fumam".

Com efeito, "a prevenção continua a ser a melhor arma para combater o cancro", que passa "por não fumar e abster-se de ambientes com fumo", por exemplo. Deste modo, "nove em cada 10 cancros do pulmão poderiam ser prevenidos. Se tivermos bons hábitos, podemos diminuir substancialmente o número de pessoas com cancro", assevera Gonçalo S. Paupério.

Notícias ao MinutoDiretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica © Gonçalo S. Paupério 

Inovação cirúrgica no IPO Porto

De 'braços abertos' à inovação, o Instituto Português de Oncologia do Porto tem-se afirmado, ao longo da sua evolução, como um 'berço' do conhecimento científico, em prol da melhoria da qualidade de vida dos doentes. E é com base nesta filosofia, que promove uma perfeita harmonia entre pioneirismo e humanização dos cuidados, que Gonçalo S. Paupério começou, recentemente, a dirigir o Serviço de Cirurgia Cardiotorácia. 

Aliás, no que à humanização dos cuidados concerne, a relação entre médico e paciente, pautada pela confiança, é um dos pilares deste Serviço do IPO. Na parede do consultório onde, diariamente, recebe os pacientes, o médico tem um quadro. Mas não se trata de uma mera obra de arte, tem um valor especial; foi oferecido pela mãe de um doente submetido a uma intervenção cirúrgica. 

Gonçalo S. Paupério, cirurgião cardiotorácio de formação, dedica-se em exclusivo à cirurgia torácica oncológica no IPO e, realça, pese embora a cirurgia minimamente invasiva apresente benefícios, "há ainda lugar à realização da cirurgia convencional (aberta)". 

"Passámos de uma toracotomia clássica para a 'muscle-sparing', onde se poupa um dos músculos". Já na atualidade, é frequente a realização da cirurgia robótica ou da toracoscopia videoassistida (VATS - Video Assisted Thoracic Surgery), um procedimento que consiste na realização de uma incisão na parede torácica por onde é introduzida uma câmara, realizando-se assim a cirurgia através de um ou mais pequenos orifícios. 

Já quanto aos benefícios decorrentes das técnicas minimamente invasivas na cirurgia do pulmão, o diretor so Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do IPO Porto salienta que, "tal como está descrito na literatura, sabe-se que estes procedimentos são menos dolorosos para o doente, desde logo porque não se usa o afastador de costelas, não se comprimindo o nervo intercostal, não há risco de fratura das costelas e os doentes têm menos dor crónica". 

Simultaneamente, acrescenta ainda o especialista neste domínio, "o tamanho da incisão é menor, havendo igualmente menor risco hemorrágico". E estas realidades "fazem com que os internamentos sejam mais curtos. Consegue até ser-se um pouco mais agressivo no tratamento porque sabemos que depois os doentes não têm tantas complicações". À partida, realça, este tipo de cirurgias, mais inovadoras, "só trarão benefícios, mas implicam uma curva de aprendizagem na fase inicial".

Contudo, na escolha do médico quanto à técnica a utilizar devem ser ponderados vários fatores, designadamente "a localização e o tamanho do tumor, a anatomia e até mesmo o à-vontade do próprio cirurgião na realização de determinada técnica. Nem todos os doentes podem fazer cirurgia videoassistida", afirma.

A grande maioria dos pacientes, constata Gonçalo S. Paupério, "já chega em estadios mais avançados da doença e não são operáveis. Muitas vezes a doença já está avançada ou disseminada". O especialista refere mesmo que os pacientes que podem ser submetidos a cirurgia do pulmão "são cerca de 20 a 25%. E é aí que poderíamos ganhar, começar a apostar no diagnóstico precoce, de forma a que este número de doentes [operáveis] fosse maior".

Este é um trabalho de diagnóstico precoce que, no seu entendimento, deve incidir "nos cuidados primários". Mas "é também uma situação de saúde pública. Terá de ser uma opção política, por exemplo, desenvolver um programa de rastreio em grupos de risco".

Nestas fases mais avançadas da doença, "há um número de doentes que, não sendo possível recorrer a cirurgia, podem ter de passar por quimioterapia, radioterapia ou por ambos. E outros ainda poderão fazer outro tipo de terapêuticas, nomeadamente os inibidores da tirosina quinase, ou imunoterapia. Há também quem tenha só tenha indicação para ser encaminhado para os cuidados paliativos", remata. 

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