Os primeiros resultados de um estudo realizado por uma equipa de investigadoras das universidades de Coimbra (UC) e do Porto (UP), no âmbito de um "projeto internacional integrado num consórcio de 40 países que investiga o burnout parental", revelam que "a crise pandémica e o confinamento em Portugal não tiveram o mesmo impacto na qualidade da parentalidade e das relações com os filhos para todas as mães e pais", afirma a UC numa nota enviada hoje à agência Lusa.
A pesquisa em Portugal contou com a participação de "488 pais e mães (a maioria mães, 81%), através de um questionário online aplicado durante o período de confinamento, entre 30 de abril e 20 de maio".
Para 19% dos pais e 31% das mães inquiridas "o confinamento à habitação e o isolamento social causaram um aumento dos sintomas de burnout parental, com impacto negativo nos seus comportamentos em relação aos filhos.
No sentido oposto, 27% das mães e 19% dos pais encararam esta fase como uma "oportunidade para aumentar a qualidade da sua parentalidade e da relação com os filhos", acompanhada de redução do burnout relacionado com o exercício da parentalidade.
"Esta polarização, com um polo marcado por bem-estar emocional e aumento da qualidade das relações com os filhos, e outro polo marcado por sofrimento psicológico e redução da qualidade da relação com os filhos, associada a maior risco de comportamentos de tipo violento e negligente, encontra-se a associada a um conjunto de fatores (não de causas) que se podem constituir, respetivamente, como protetores ou riscos", afirma Maria Filomena Gaspar.
Docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da UC, e membro do Laboratório Colaborativo ProChild (entidade que também participou no trabalho), Maria Filomena Gaspar coordena o estudo em Portugal juntamente com Anne Marie Fontaine, professora emérita da UP.
O burnout parental, explica Maria Filomena Gaspar, "é uma condição de saúde mental caracterizada por um estado de exaustão e um sentimento de saturação relacionados com o papel parental, com perda de prazer em estar com os filhos e distanciamento emocional destes, contrastando estes sentimentos e estados com os que existiam antes".
Surge quando há um "desequilíbrio entre as "exigências" que se colocam ao exercício do papel parental e os "recursos" que coexistem para lidar com elas", acrescenta.
A pandemia de covid-19, com "a circunscrição à habitação, o encerramento das creches, jardins-de-infância e escolas, o teletrabalho e isolamento social, veio colocar novos desafios a este equilíbrio", salienta, citada pela UC, Maria Filomena Gaspar.
O objetivo deste projeto, que na UC envolveu o CES, foi compreender se esta crise se constituiu apenas como um espaço de vulnerabilidade para a parentalidade (com aumento do risco de burnout parental), ou, pelo contrário, como um espaço em que os desafios e as adversidades foram transformados numa oportunidade de relações de maior qualidade com os filhos e de uma parentalidade mais positiva (com redução do burnout parental).
Analisando os resultados do estudo, a investigadora da UC considera que "há uma associação entre a mudança no burnout e o impacto que referem que a pandemia e o confinamento tiveram na qualidade da relação com os filhos: o agravamento do burnout está associado a uma perceção de menor impacto positivo e de maior impacto negativo da crise na qualidade da relação com a criança e na qualidade da parentalidade".
Já "a redução no burnout está associada a uma perceção de que a crise e o confinamento tiveram um maior impacto positivo e um menor negativo na qualidade da relação com os filhos e na qualidade da parentalidade", refere a especialista.
Não surpreende, por isso, um outro resultado: "Os pais com agravamento dos sintomas de burnout mencionam também uma perceção de aumento de comportamentos negativos na relação com a criança, comparativamente aos que viveram a crise e o confinamento sem um agravamento ou até com uma melhoria no burnout parental", realça ainda Maria Filomena Gaspar.
Ainvestigação faz parte de um estudo internacional, coordenado por investigadores da Universidade de Tilburg, na Holanda, no âmbito de um consórcio de 40 países que investiga o burnout parental e que é liderado pela Universidade de Louvain (Bélgica).