O olho como via de entrada do vírus e local de manifestação da Covid-19
"Ao longo de um ano, fomos acompanhados pelo SARS-CoV-2, predominantemente um severo síndrome respiratório agudo, mas que com o evoluir da pandemia demonstrou ser multi-órgão. O olho foi identificado como uma potencial via de entrada do coronavírus mas também um local de manifestação da doença", explica Eugénio Leite, médico oftalmologista e diretor clínico nas Clínicas Leite, neste artigo de opinião partilhado com o Lifestyle ao Minuto.
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Lifestyle Artigo de opinião
A superfície ocular funciona como possível local de transmissão e zona de aparecimento de material viral e apresenta alterações inflamatórias diretas da infeção viral ou como resultado da inflamação sistémica.
Assim, a superfície ocular e sistema lacrimal podem ter um papel na infeção viral de dois modos, primeiro, porta de entrada do vírus, segundo, fonte potencial do vírus, que pode disseminar no corpo, através da via lacrimal, e atingir a via área superior.
Ainda que a transmissão do SARS-CoV-2 se faça prioritariamente por gotículas através da via respiratória e presentes na via área inferior, foram detetadas noutros tecidos e secreções.
Doentes com SARS-CoV-2 apresentam em pequena percentagem a presença de secreções conjuntivas positivas para partículas virais, quer como achado isolado quer no âmbito de infeção sistémica. Facto comprovado em estudo retrospetivo em Wuhan, China: 12 dos 38 doentes internados com Covid-19 apresentaram sintomas oculares.
Nos estudos observacionais iniciais a conjuntivite foi o sintoma predominante mas a sua prevalência varia desde 0.08% até 31.6%, excluindo aqui as crianças onde o único estudo efetuado revelou uma prevalência de 14.8%.
Os sintomas mais frequentes são hiperemia (olho vermelho), edema da conjuntiva, lacrimejo, secreções, fotofobia, ardor ou olho seco. Contudo, já foram referenciados alguns casos mais graves.
Até ao presente não tem sido possível relacionar a duração ou severidade da infeção Covid-19 e os sintomas oculares.
Estudos clínicos recentes revelaram o potencial envolvimento da retina na infeção por SARS-CoV-2. Assim num destes estudos foram reportados 12 adultos observados entre o dia 11 e 33 após os primeiros sintomas de Covid-19, com lesões ao nível da retina. Apesar destas lesões na retina, a visão dos doentes estava preservada.
Os sintomas neurológicos foram detetados em cerca de 36.5% dos doentes em sintomas como diplopia. Ainda que seja desconhecida a relação entre os sintomas neuro-oftalmológicos e a Covid-19, o mecanismo subjacente parece ser um efeito.
Há a considerar os sintomas oftalmológicos relacionados com uma infeção grave de Covid-19 e que motivam envolvimento ocular, como estado crítico, patologia vascular, infeções e inflamações secundárias e efeitos secundários da medicação.
A. Estado crítico
Na UCI pode motivar um conjunto de manifestações oculares, como queratopatia de exposição, com a possível lesão da córnea e perda de visão, ou complicações mais graves como oclusão da artéria central da retina ou neuropatia óptica isquémica mas também possíveis de prevenir.
B. Patologia vascular
Doentes críticos têm predisposição para fazer fenómenos trombóticos, descritos como coagulopatia associada à COVID-19, daí a oclusão da artéria central da retina.
C. Síndromes de infeção ou inflamação secundárias
Como qualquer infeção viral há uma predisposição para se fazerem infeções secundárias bacterianas, como seja uma celulite peri-orbitária, com edema de pálpebras, proptose e déficit a mobilidade extraocular.
D. Efeitos secundários da medicação
O uso de diferentes e poderosas medicações pode levar ao aparecimento de efeitos secundários como visão turva, ou inflamação ocular, pelo que se deve sempre ter em consideração a medicação que o doente efetua.
A proximidade entre doente e prestador de oftalmologia coloca estes profissionais em risco elevado de contrair ou de transmissão da Covid-19 pelo que existem recomendações especificas de proteção para os mesmos.
Os oftalmologistas tem elevado risco devido a múltiplas razões a saber:
Primeiro, proximidade com os doentes na realização de exames de oftalmologia;
Segundo, por regra, o elevado número de doentes, logo, uma probabilidade maior de colocar em contacto profissionais e doentes infetados. Acresce o risco de transmissão da Covid-19 pela superfície ocular e via lacrimal;
Terceiro, uma percentagem elevada de doentes de oftalmologia são de idade avançada com também outras doenças, logo, elevado risco de mobilidade e mortalidade.
Uma vez tomadas medidas de proteção pessoal e distanciamento social devemos dirigir a nossa atenção para mecanismos de proteção nos equipamentos médicos, em procedimentos de desinfeção quer das salas de espera quer dos gabinetes ou equipamentos utilizados.
Em suma, embora o SARS-CoV-2 seja considerado primariamente um vírus respiratório, há o risco potencial de transmissão ocular por ligação viral à superfície ocular e por disseminação através do filme lacrimal para a via área superior. E, enquanto aprendemos os novos efeitos oftalmológicos da Covid-19, devemos estar alerta para sintomas novos que surjam nos nossos olhos.
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