Gonçalo Peixoto: "A pandemia foi um recomeçar. 2021 foi o melhor ano"

Se o futuro da moda se escreve, timidamente, em português deve-se, sobretudo, a jovens designers como Gonçalo Peixoto. Com apenas 20 anos, mostrou o seu valor lá fora e tornou-se uma referência na indústria. "Não quero ser mais um", diz, numa entrevista exclusiva para o Vozes ao Minuto.

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Ana Rita Rebelo
10/03/2022 08:30 ‧ 10/03/2022 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

Construir uma marca e vê-la amadurecer é um processo demorado e, por vezes, penoso. No caso de Gonçalo Peixoto, a ascensão foi rápida. Muito antes de debutar nas passarelas nacionais, o jovem designer português, natural de Famalicão, voou até terras de Sua Majestade para se mostrar na semana de Moda de Londres, em 2017.

Com um olhar apurado, contemporâneo, estética atrevida e ideias que parecem não se esgotar, o menino prodígio desenhou a primeira coleção aos 17 anos e fez das redes sociais o seu palco. Rita Pereira é uma das suas musas e clientes fiéis, tal como Cristina Ferreira, Mariana Machado, Camila Coelho e até, mais recentemente, Taylor Swift.

A Gonçalo coube a honra de ser o português mais jovem de sempre a levar as criações da sua marca homónima, de moda feminina, à Semana da Moda de Milão, partilhando as atenções com a Chanel e Givenchy. Hoje, aos 24 anos, mostra-se preparado para conquistar os quatro cantos do mundo e admite que "há imensas figuras públicas que adoraria vestir".

A poucos dias de mostrar a suas habilidades na ModaLisboa, a 13 de março, como já vem sendo costume, o jovem que um dia sonhou ser treinador de golfinhos esteve à conversa com o Notícias ao Minuto. Falou-nos sobre a mudança que quer trazer à moda portuguesa - mantendo-se fiel à identidade que o trouxe até aqui - e com que linhas se cose o futuro da marca.

Lembro-me perfeitamente que a primeira peça que fiz foi uma túnica para o desfile de Natal

Quando é que começou  a interessar-se pela moda?

Lembro-me de ser pequenino e de gostar muito de ir com os meus pais às compras e de dar opiniões à minha mãe. Ambos gostavam - e gostam - muito de moda e acabou por tornar-se algo que também me entretinha. Começou aí o gosto e foi continuando a desenvolver-se. Depois, quando percebi que teria de escolher algo para o meu futuro, a moda foi sempre o que fez mais sentido. E assim foi. 

Qual foi a primeira peça que desenhou?

Com 16 anos iniciei a minha formação na área da moda, na Cenatex, em Guimarães, e lembro-me perfeitamente que a primeira peça que fiz foi uma túnica para o desfile de Natal. Isto logo no 10.º ano. Era muito básica. Não suscitou assim uma reação incrível. Toda a turma apresentou, aliás, a mesma peça. Depois, cada um personalizou a túnica a seu gosto, com o tecido e corte que queria. 

Há peças que estou a criar e penso: Isto é a cara da Rita Pereira ou da Cristina Ferreira

Qual foi a sua reação quando viu alguém a usar, pela primeira vez, uma criação sua? 

Foi surreal. Fiquei surpreso... Devo ter soltado um 'uau'! E agora, felizmente, acontece muitas vezes estar na rua e ver alguém a passar com as peças da marca.

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Muito antes de participar na ModaLisboa, já era reconhecido na indústria e foi convidado para estar na Semana de Moda de Londres. Como é que surgiu essa oportunidade?

O convite foi feito pela London Fashion Week. Fui apresentar uma coleção de inverno com uns casacos azuis e vermelhos, uns macacões e umas peças às riscas vermelhas e brancas. De certo modo, fiz o caminho inverso. Lá fora, alguém percebeu e acreditou que eu tinha alguma coisa a acrescentar à plataforma de designers emergentes do evento. E é aí que o meu nome se torna sonante em Portugal e as pessoas começam a conhecer-me. 

Notícias ao Minuto Colecção Alice We Will Meet in Wonderland ('Alice vamos encontrar-nos no País das Maravilhas', em português)© DR

Mais tarde, chega o convite para participar na Semana de Moda de Milão.

Sim! Já depois de algumas apresentações cá dentro, a convite da ModaLisboa, onde estou até agora, fui escolhido para representar Portugal em Milão, através de um programa de internacionalização que resulta de um acordo de cooperação entre Portugal Fashion e a ModaLisboa. A partir daí, fui crescendo e convidado a participar uma segunda vez. 

Onde é que arranja inspiração? Vai para a rua, viaja, lê?

Ao início, inspirava-me nas viagens. Depois, comecei a ir ao baú recordar as que já tinha feito. Ultimamente, penso num conceito. Ao invés de ser algo visual, é mais abstrato. Inspiro-me em modos de estar na vida. Pode até ser uma frase. Quem gosta da marca sabe que uma expressão muito característica das peças é "sometimes, i just wanna kiss girls" ("às vezes, só quero beijar raparigas", em português). Com essa frase sou capaz de desenvolver uma coleção inteira. No caso, produzi três ou quatro seguidas. É quase como personificar a frase e descobrir como seria a mulher Gonçalo Peixoto que diria algo assim. 

A pandemia foi um recomeçar. 2021 foi o melhor ano da marca

Portanto, quando cria uma peça, imagina alguém na sua cabeça. É isso?

Há peças que faço já a saber que é para uma figura pública usar num evento, por exemplo. Depois, há outras peças que estou a criar e penso: isto é a cara da Rita Pereira ou da Cristina Ferreira! Acontece-me várias vezes!

Notícias ao Minuto Cristina Ferreira a usar um look Gonçalo Peixoto na gala do Big Brother Famosos de 1 de fevereiro de 2022© DR

O que é que a marca Gonçalo Peixoto traz de novo à moda nacional? 

É marca muito jovem, feminina, 'cool' e divertida. Considero que isso estava em falta no mercado português. Por outro lado, enquanto criador, tento aproximar o designer do cliente, algo que também não era muito usual em Portugal. Os criadores eram vistos como pessoas quase inacessíveis e eu queria ser exatamente o oposto! O meu objetivo era ter as clientes perto de mim e ouvir as opiniões. 

E como é que Portugal, sobretudo Lisboa e Porto, se compara com outras cidades europeias? Considera que as portuguesas estão na moda?

No meu entender, a mulher portuguesa aposta na moda, dá valor ao que veste e é criativa, mas a verdade é que tem um poder de compra mais baixo. Há muitas mulheres que não compram Gonçalo Peixoto porque não podem ou entendem que é caro. Mas, se pudesse, a mulher portuguesa não estaria nada atrás das restantes mulheres europeias!

Em Portugal existem muito poucos compradores de roupa de autor. Não vale a pena remar contra a maré

Imagino que também para si os últimos dois anos tenham sido de reinvenção. O que é que resultou da pandemia? 

Na verdade, estes foram os melhores anos da marca. Durante a pandemia, criei uma linha assumidamente mais barata, até porque em Portugal existem muito poucos compradores de roupa de autor. Não vale a pena remar contra a maré. Sou muito prático e, por isso, apresentei underwear, biquínis e peças de festa. De um momento para o outro, foi tudo cancelado. Eventos, encomendas internacionais... Percebi imediatamente que as pessoas iam deixar de comprar e tinha de faturar de alguma maneira. No fundo, tentei reinventar-me. Foi quase uma questão de sobrevivência. Tinha de dar a volta. Até hoje, essa linha tem-se saído muito, muito bem. Neste momento, é o que sustenta a marca e ajudou-me a aproximar-me do consumidor. As encomendas aumentaram e os postos de trabalho também. A pandemia foi um recomeçar. 2021 foi o melhor ano da marca. Consegui levar a minha moda a mais pessoas.

Há sentido de comunidade entre os criadores portugueses? 

Sim! Conhecemo-nos praticamente todos e comunicamos muito. Quando precisamos de uma opinião, pedimos e trocamos informações. Alguns são meus amigos! Não há a rivalidade que algumas pessoas acreditam que existe.

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O que podemos esperar da nova coleção que vai apresentar na ModaLisboa?

Sem revelar muito, a coleção terá muita cor, silhuetas sempre bastante femininas, sexys e desconstruídas. Vamos apoderar-nos dos nossos 'básicos' e dar um 'twist' Gonçalo Peixoto a blazers, calças, tops, vestidos e saias.

Eu também faço sapatos, malas e joias, mas quero ser muito bom nisso. Não quero ser mais um

Quais são as peças estrela da estação?

Tenho um look: um macacão com um casaco cheio de brilhantes. 

Para quando roupa para homem? Está nos planos?

Tão cedo não irá acontecer. Vou fazendo uma coisa ou outra, como a linha de sungas que lancei no verão passado, e existem até algumas peças unissexo, mas o meu desejo é ser cada vez melhor naquilo que faço. Há muitas áreas que quero explorar. Eu também faço sapatos, malas e joias, mas quero ser muito bom nisso. Não quero ser mais um. Quero ser o melhor a fazer cada uma dessas coisas! Até lá, ainda tenho muito para aprender e trabalhar. 

Nunca se falou tanto sobre a importância de consumir de forma sustentável. Nesse sentido, que passos tem dado? 

Ser português já em si é ter um pouco de sustentabilidade. Mas, por exemplo, as primeiras peças da minha linha mais acessível foram produzidas com materiais que já tínhamos no atelier. Reutilizámos para trazer coisas novas. A nível de tecidos, ainda estamos um pouco aquém daquilo que eu gosto para a marca. Existem, de facto, coisas bonitas, mas parece-me tudo muito do mesmo. O linho, o natural, com aspeto reciclado... Por isso, no campo da sustentabilidade o que faço é tentar reaproveitar materiais. Além disso, a produção é minúscula. Também produzimos muito à mão, sem recurso a tinturaria. Não há desperdício, nem prejudicamos o ambiente, como fazem as marcas de 'fast fashion'. 

O Gonçalo veste 'fast fashion'?

Há um ou outro básico que vou buscar a essas lojas, mas muito pouco. Não me revejo no 'fast fashion'. Gosto de apoiar as marcas portuguesas e criadores internacionais. 

Qual aquela peça ou acessório que não vive sem?

Considero-me um homem básico com um 'twist'. Gosto de estar confortável. Em viagens, não dispenso um fato de treino. No meu dia a dia, gosto de um casaco com um toque 'cool', à semelhança da minha própria marca, e não vivo sem umas boas calças pretas. 

Qual a mulher e o homem portugueses com mais estilo?

Não consigo escolher só um nome! Admiro muito o estilo da Mariana Machado, da Anita da Costa e Rita Pereira. São muito diferentes, mas completam-se. Quanto a homens, gosto muito da forma de vestir do Artur Catfish. É 'cool' e divertido. Se pudesse 'roubava' o guarda-roupa dele!

Notícias ao Minuto Rita Pereira a usar uma criação do jovem designer© DR

E quem é a pessoa que precisa desesperadamente de um 'extreme makeover'?

Maria Leal. Temos estilos muito diferentes. Mas considero que ela tem a sua verdade e o que faz de uma forma um pouco mais 'kitsch' funciona. 

Quem adoraria vestir?

Rihanna. Sem dúvida!

Qual é o erro de estilo que os portugueses mais cometem?

Sapatos de cunha e meia calça de vidro. São um não! Mas há gostos para tudo. Enquanto criador, não aprecio, mas também não critico. 

Quais são as suas referências no mundo da moda?

O Alexander McQueen, que já não está entre nós, o David Koma e Christopher Kane. Também gosto muito de uma marca que se chama The Attico e que foi fundada por duas 'influencers'. 

E um ícone de estilo?

A Rihanna é o ícone do século XXI. 

Que sonhos tem por concretizar?

Tantos! Há imensas figuras públicas que adoraria vestir, como a Rihanna, a Beyoncé, a Zendaya e a Kendall Jenner, participar mais vezes nas semanas de moda internacionais e tornar-me um nome sonante. 

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