A dermatite atópica (DA) é a doença inflamatória crónica mais comum na infância, que se estima que afete cerca de 10-20% da população pediátrica a nível mundial. A etiologia desta dermatose ainda não se encontra completamente esclarecida, porém reconhece-se, hoje em dia, como uma doença multifatorial com componente genética complexa fortemente influenciada por fatores ambientais.
Do ponto de vista clínico, a DA caracteriza-se pela presença de prurido intenso, eritema e descamação cutâneos, por vezes com escoriações, fissuras e exsudação. A distribuição da dermatose é simétrica e característica: até aos dois/três anos de idade envolve habitualmente a face e as superfícies extensoras dos membros, depois dessa idade é mais comum o envolvimento das zonas flexoras (nomeadamente as pregas dos cotovelos e joelhos, tornozelos e pescoço). Salienta-se ainda que a esta patologia se associam frequentemente comorbilidades atópicas (asma, rinite alérgica, as alergias alimentares) e não atópicas (patologia psiquiátrica, infeções).
Maria João Cruz
Apesar de não existir mortalidade associada a esta condição e às suas comorbilidades, existe uma elevada taxa de morbilidade que interfere em diversos aspetos da qualidade de vida, não só do doente, mas também dos seus cuidadores (habitualmente os pais).
Do ponto de vista do doente destacam-se as alterações de humor (25% desenvolvem sintomas depressivos), da qualidade de sono (84% referem alterações do sono devido ao prurido), o absentismo escolar, os déficits de aprendizagem e a interferência direta na maioria das atividades do quotidiano (como na escolha do desporto ou na escolha do vestuário que melhor esconde as lesões).
Já do ponto de vista parental, tratar de uma criança com dermatite atópica moderada a grave implica uma enorme disponibilidade de tempo, desgaste psicológico e investimento financeiro. Não raramente os cuidadores experimentam sentimentos de frustração e impotência face à recorrência da dermatose, ansiedade e angústia face ao sofrimento do doente e incerteza quanto ao seu futuro. Assim sendo, a abordagem destes doentes deve considerar não só a dermatose, mas também o forte impacto que tem na qualidade de vida do próprio e dos cuidadores.
A DA é ainda uma dermatose sem cura conhecida, mas muitos progressos têm sidos feitos do ponto de vista do tratamento. Formas ligeiras de doença são facilmente controladas, recorrendo à terapêutica tópica anti-inflamatória. São, sem dúvida, as formas graves de doença que representam o maior desafio. No entanto, os avanços recentes no conhecimento científico desta doença permitiram alargar o leque terapêutico e acrescentar aos imunossupressores convencionais (com reduzidos níveis de eficácia e efeitos laterais consideráveis), medicamentos dirigidos a alvos terapêuticos específicos, muito eficazes e extremamente seguros. Atualmente dispomos de 2 biológicos (dupilumab e tralocinumab) e três inibidores das JAK (baricitinib, upadacitinib e abrocitinib) que vieram revolucionar o tratamento de doentes com DA moderada a grave.
Acredito que estamos a assistir a uma mudança de paradigma. As novas armas terapêuticas permitem o tratamento mais precoce, mais seguro, mais eficaz e de forma prolongada, de forma a reduzir o impacto que a DA tem na qualidade de vida dos doentes, modificando assim o seu curso de vida.
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