Os números não mentem. Um estudo desenvolvido pela Unidade de Uroginecologia do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, revelou, em 2020, que a prevalência de incontinência urinária (IU) em mulheres portuguesas foi de 35,1%, enquanto a média europeia se situa entre os 18% e os 42%. Porém, e apesar de não ser fisicamente incapacitante, dolorosa ou fatal, a IU continua envolta em vergonha.
Estima-se que, atualmente, 600 mil portugueses sofram desta condição. No entanto, apenas 10% das pessoas afetadas procuram ajuda, indica a médica urologista Lilian Campos, responsável do departamento de Urologia do Hospital Distrital da Figueira da Foz, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. Muitas destas pessoas isolam-se e evitam sair de casa. O doente com IU vive com medo constante de ter perdas de urina. Pior ainda: que quem a rodeia se aperceba, nomeadamente pelo odor.
A noção errada de que faz parte do processo natural do envelhecimento é uma das principais causas para a desvalorização dos sintomas e o atraso do diagnóstico. Assim sendo, "é importante passar a mensagem de que se trata de um problema de saúde comum e muitas vezes constrangedor, mas que é, ao mesmo tempo, uma doença tratável, não uma fatalidade", defende Lilian Campos.
Lilian Campos
A incontinência urinária é duas vezes mais comum entre as mulheres do que entre os homens
Antes de mais, o que é incontinência urinária?
A incontinência urinária define-se como a perda involuntária ou indesejada de urina. Estima-se que afete cerca de 600 mil portugueses, sendo mais frequente entre as mulheres e os idosos.
Quais os sinais de alerta a que as pessoas devem estar atentas e os fatores de risco?
O primeiro passo é perceber que a perda de urina não é normal e tem tratamento. Há essencialmente três tipos de incontinência urinária: a incontinência de esforço, que se caracteriza por perdas involuntárias de urina ao fazer algum esforço como tossir, rir, espirrar ou levantar objetos; a incontinência de urgência; provocada por uma vontade súbita e inadiável de urinar; e a mista, que inclui ambas.
A incontinência urinária é mais frequente nas mulheres e idosos. Além da idade e do género, há outros fatores de risco associados ao seu aparecimento, como a gravidez, o pós-parto, a menopausa, a obesidade e o sedentarismo.
As mulheres são mais afetadas por incontinência urinária e em idades mais precoces. Porquê?
De maneira geral, a incontinência urinária é duas vezes mais comum entre as mulheres do que entre os homens e a sua frequência aumenta com a idade. Contudo, dependendo do tipo de incontinência urinária, pode atingir faixas etárias diferentes, sendo a incontinência urinária de urgência mais frequente em mulheres mais jovens comparativamente aos homens.
Estima-se que apenas 10% das pessoas afetadas peçam ajuda
É possível preveni-la?
Algumas medidas simples podem ser eficazes no tratamento e prevenção de todos os tipos de incontinência urinária, nomeadamente evitando café, chá, álcool e tabaco. Por outro lado, não é saudável reduzir a quantidade de água que se bebe. Embora produza menos urina, ela poderá ficar mais concentrada, o que poderá irritar a bexiga e levar a que tenha de urinar ainda com maior frequência. A perda de peso e o tratamento da obstipação também podem ajudar tanto na prevenção como na melhoria das queixas.
A que se deve o atraso no diagnóstico desta condição?
O maior impacto desta condição relaciona-se com a qualidade de vida, tendo fortes implicações a nível pessoal, familiar e laboral. Preocupações em relação ao odor, sensação de sujidade, incontinência durante a atividade sexual podem levar à evicção de situações de intimidade. A frequência urinária e a necessidade de interromper tarefas afeta o rendimento profissional, a interação com amigos e família e até a possibilidade de viajar. Assim sendo, por vergonha ou por acharem que é normal com a idade, estima-se que apenas 10% das pessoas afetadas peçam ajuda.
E como superar a vergonha?
É importante passar a mensagem de que se trata de um problema de saúde comum e muitas vezes constrangedor, mas que é, ao mesmo tempo, uma doença tratável, não uma fatalidade.
Quais os tratamentos disponíveis?
O reconhecimento do tipo correto de incontinência é fundamental para a sua abordagem eficaz, visto os tratamentos serem diferentes. Como primeira abordagem, as medidas gerais já referidas podem ser bastante eficazes. Outra forma de terapia comportamental é o treino da bexiga, que constitui uma técnica simples que pode ajudar a bexiga a aprender a reter uma maior quantidade de urina visando o aumento gradual do tempo entre as idas à casa de banho.
Na incontinência urinária de esforço, além das medidas gerais, o tratamento pode consistir na realização de fisioterapia, mas os melhores resultados são obtidos com a realização de uma cirurgia simples de ambulatório, que consiste na colocação de uma fita sintética a suportar a uretra. Trata-se de uma cirurgia ambulatória, com elevada taxa de sucesso.
A incontinência urinária não deve ser encarada como normal em nenhuma faixa etária
Na incontinência urinária de urgência, o tratamento baseia-se, além das medidas gerais, no recurso a medicamentos que impedem as contrações involuntárias da bexiga. Estes fármacos são bem tolerados e têm bons resultados. Já na incontinência urinária mista, o tratamento envolve a abordagem terapêutica de ambas as formas de incontinência.
Quais os principais mitos associados a esta condição?
O mito mais expandido é de que se trata de uma situação normal do envelhecimento. A incontinência urinária não deve ser encarada como normal em nenhuma faixa etária, podendo ser tratada adequadamente na grande maioria dos doentes.
A incontinência urinária está muitas vezes associadas à síndrome da bexiga hiperativa. De que se trata esta condição?
A bexiga hiperativa caracteriza-se pela necessidade súbita e inadiável de urinar, com muitas idas à casa de banho, que pode, por vezes, ser acompanhada por perdas de urina. Quando a urgência miccional é difícil de controlar e leva à perda involuntária de urina chama-se incontinência urinária de urgência ou bexiga hiperativa molhada.
Leia Também: Polipose nasal. Que doença é esta que 'rouba' o olfato e como tratar