É provável que se recorde das fotografias que mostram o príncipe George de Cambridge a ir para a escola pela primeira vez. Anos mais tarde, juntou-se a ele a irmã Charlotte. O que seguramente nunca lhe passou pela cabeça é que os herdeiros da coroa britânica têm algo em comum com o CEO da Amazon, Jeff Bezos: o facto de terem sido educados de acordo com os princípios do método Montessori, uma pedagogia com mais de 100 anos.
Em Portugal ainda é realidade de poucos e não é caminho fácil, mas já dá os primeiros passos. Exemplo disso é o Jardim da Descoberta, um projeto criado em 2016 por duas mães - Catarina Jerónimo e Maria Sousa - "crentes de que a resposta às atuais crises humanitárias depende de uma reforma profunda de um sistema educativo totalmente desajustado da realidade atual e da verdadeira natureza humana".
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Focadas no despertar para uma nova visão da criança, através de 'workshops', eventos e formações, procuram desmistificar a educação montessoriana e "ideias distorcidas", como a de que não existem regras ou limites. Porque os há. Mas são "claros, poucos e, sobretudo, consistentes", explica Catarina Jerónimo, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, referindo-se ao método de Montessori como "uma educação para a paz".
Maria Sousa e Catarina Jerónimo© DR
O que é e em que consiste o método de Montessori?
Catarina Jerónimo (CJ): A pedagogia Montessori foi desenhada pela médica e cientista Maria Montessori (1870-1952) que, através de observação científica e 'despida' de preconceitos da criança, fez descobertas muito concretas relacionadas com a forma como decorre o processo natural de desenvolvimento humano. Numa vida dedicada ao estudo da infância, desenvolveu uma pedagogia onde o adulto, o ambiente e os materiais vão ao encontro das necessidades e características da criança em cada momento. Montessori observou crianças em todo o mundo, de todas as idades, culturas e contextos, e, dessa forma, como a própria refere, "descobriu a criança".
Trata-se, no entanto, de muito mais do que uma abordagem pedagógica...
CJ: Sim. Contém na sua base aquilo que Maria Montessori designou de "ciência da paz", que depende um profundo respeito pela natureza individual e humana de cada ser humano, com um impacto determinante no tipo de adulto em que se irá tornar e no tipo de humanidade que irá construir. É uma educação para a paz.
E como é que se 'educa para a paz'?
CJ: Através das suas observações, Montessori compreendeu que, independentemente das circunstâncias, todas as crianças atravessam um processo de desenvolvimento semelhante em termos de necessidades e características. Um processo universal. Da mesma forma que no mundo natural vemos que desde o nascimento até à maturidade estamos na presença de um processo de ganho sucessivo de níveis de independência, rumo à autonomia, o mesmo se passa com os seres humanos. Desde que nascem até à idade adulta, a natureza conduz cada ser humano em ganhos sucessivos de independência: os designados planos de desenvolvimento. Em cada um dos quatro planos de desenvolvimento, de duração aproximada de seis anos, a criança é 'programada' para alcançar um tipo específico de independência: funcional, intelectual, económica e social e, por fim, independência espiritual e moral.
Não obstante, a passagem de um plano para o outro ser feita de forma gradual, uma vez 'instalado' em pleno o novo plano, surge uma nova criança diante de nós, materializando-se essa diferença em termos de características e necessidades físicas, emocionais, espirituais, cognitivas, sociais, totalmente diferentes entre si. Compreende-se, por isso, que o conhecimento das especificidades de cada plano é crucial para uma educação que trabalhe com a natureza, ao invés de uma educação que trabalhe contra ela, gerando um clima de conflito e frustração que mais não representa do que a única resposta possível por parte das crianças às suas necessidades de desenvolvimento não satisfeitas.
Promove-se o máximo de autonomia da criança, de uma forma que esta não se sente dependente do adulto
Ao compreender e observar estes planos de desenvolvimento e as suas especificidades, Montessori desenvolveu uma abordagem onde os três grandes pilares (o adulto preparado, o ambiente preparado e os materiais) se vão adaptando e alterando para ir ao encontro dos ímpetos naturais em cada momento. Assim, conseguimos compreender que um ambiente para uma criança de três anos está preparado para responder a necessidades e características completamente diferentes das sentidas por uma criança de oito anos.
Como é que as crianças podem beneficiar desta dinâmica?
Maria Sousa (MS): Ao falarmos da abordagem Montessori, podemos pensar na sua aplicação em dois grandes contextos: salas de aula Montessori ou outros contextos educativos (escolas tradicionais ou ambientes familiares). Por um lado, as salas de aula assumem um formato totalmente novo em relação ao que conhecemos. Pela sala encontram-se prateleiras que dividem a sala em áreas de atividade (vida prática, sensorial, linguagem, matemática e cultura, inserindo-se nesta última as atividades relacionadas com geografia, zoologia, história, arte, entre outras), pelas quais cada criança percorre, ao seu ritmo, as diversas oportunidades dispostas que lhe vão sendo apresentadas, podendo escolher trabalhar individualmente ou em grupo. A mudança de 'disciplina' não é determinada pelo toque de uma campainha, mas sim pelo ritmo, entrega e interesse da criança em cada momento.
Nestas salas não existe um professor, mas sim um guia. Alguém que apresenta os materiais existentes às crianças e as conduz nas aprendizagens necessárias e cujo principal trabalho é cativar a criança e observar atentamente cada uma, de forma a assegurar que o ambiente responde às suas concretas e individuais necessidades de desenvolvimento. Promove-se o máximo de autonomia da criança, de uma forma que esta não se sente dependente do adulto, mas sim capaz de conduzir e concretizar as suas próprias aprendizagens.
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Para além dos proveitos em termos de desenvolvimento cognitivo e do potencial único de cada criança, Maria Montessori desenhou as salas de forma a funcionarem como uma réplica da vida em sociedade. Idades mistas, que permitem aos mais novos inspirar-se pelos mais velhos, e aos mais velhos consolidarem os seus conhecimentos, confiança e espírito de ajuda com os mais novos. Apenas um material de cada, para que a criança aprenda sobre paciência e respeito pelos outros. Limites claros e inflexíveis no que toca ao respeito pelo trabalho dos demais e manutenção do ambiente. Assunção de responsabilidades no cuidado do ambiente e no funcionamento quotidiano da sala. Confiança no trabalho e nas capacidades e especificidades de cada um. Liberdade e apoio na resolução de conflitos e na gestão emocional. Estes são alguns dos aspetos que são desenvolvidos em sala, sendo certo que se as crianças estão em fase de integração da forma de estar no mundo, então esta dinâmica permite-lhes integrar valores essenciais à paz: tolerância, respeito, cooperação, dedicação, disciplina, resiliência.
Há uma certa tendência a associar Montessori a uma ausência total de limites ou, em oposição, à existência de demasiados limites
Por outro lado, temos a aplicação em contextos educativos tradicionais ou em casa. Neste caso importa reter que há uma priorização em termos dos pilares, ocupando o primeiro lugar da lista o adulto preparado e o último os materiais. Aqui o objetivo não poderá ser o de criar uma escola em casa, mas sim o de apoiar e promover a preparação do adulto de forma a compreender as fases de desenvolvimento que a criança atravessa, com as suas necessidades e características próprias, permitindo-lhe, assim, ir ao encontro da criança. O conhecimento dos princípios e valores que estão na base desta abordagem possibilitam a introdução de inúmeras alterações não só em termos de ambiente e de materiais, mas sobretudo na forma como lidamos com as crianças e como nos posicionamos perante as suas manifestações.
Sendo a autonomia uma das bases da educação montessoriana, os educadores devem impor limites?
CJ: Há uma certa tendência a associar Montessori a uma ausência total de limites ou, em oposição, à existência de demasiados limites. Na verdade, aquilo que Montessori nos propõe é um equilíbrio entre ambos, com vista à construção da autonomia e da disciplina que é indissociável da verdadeira liberdade. As crianças precisam de limites. Estes limites dão-lhes a segurança necessária para saber por onde se podem mover e naturalmente precisam dos adultos para o estabelecimento dessas fronteiras. Para que os limites sejam eficazes, é essencial que estes sejam claros, poucos e, sobretudo, consistentes.
E como é que se faz entre equilíbrio entre liberdade e limites?
CJ: Montessori propôs-nos um caminho a seguir neste sentido: "Tudo é permitido desde que: não ponha em causa a tua saúde ou bem-estar, não ponha em causa a saúde ou bem-estar das outras pessoas ou animais e não possa danificar o ambiente." Além destes, deve existir um acordo no sentido de definir quais as restantes regras que são essenciais para a convivência em determinado ambiente. Por exemplo: uma criança que esteja em pé em cima de uma mesa em princípio não irá danificar a mesa. No entanto, não podemos estar em pé em cima de uma mesa, pois as mesas são para as refeições, trabalhos ou outras atividades. Podemos chama-las de 'ground rules', e que devem, igualmente, ser cumpridas por todos. Assim, e através de uma atitude consistente por parte dos adultos, a criança começa a analisar e a compreender aquilo que é ou não permitido e, sobretudo, a entender que há regras para a vida em sociedade que é necessário respeitar.
Implica uma desconstrução profunda da forma como nós próprios fomos educados
A definição destes limites é de uma enorme ajuda também para os adultos. Estes deixam de estar à mercê do seu estado de espírito mais permissivo ou restritivo em cada momento consoante o cansaço, ao mesmo tempo que potencia uma maior abertura à liberdade das crianças. Uma criança que esteja a brincar na terra e que se irá sujar está a colocar em causa algum dos três limites base ou alguma 'ground rule' [regra base]? Este exemplo é apenas uma ilustração, mas que evidencia uma outra questão essencial da aplicação deste equilíbrio entre liberdade e limite: a verdadeira disponibilidade do adulto para atribuir a liberdade que a criança efetivamente precisa.
Quais as maiores dificuldades?
MS: Cremos que seja o de quebrar com a cultura educacional que marcou a nossa própria infância, o que, por sua vez, se encontra relacionado com o pilar da abordagem que conduz à preparação do adulto. Ter um ambiente preparado é relativamente simples, tendo em conta as premissas de independência e autonomia que vão sendo progressivamente aplicadas. Os materiais também são dotados de um conjunto de especificidades e objetivos que tornam mais fácil a sua seleção e forma de disponibilização. A questão do adulto preparado é muito mais complexa. A aplicação da abordagem Montessori em termos imateriais (aqui incluímos questões relacionadas com a liberdade e limites, níveis de obediência, a questão dos castigos e das recompensas, a visão das 'birras' como desesperos da criança, a elevação da dignidade da criança, entre outros aspetos), implica uma desconstrução profunda da forma como nós próprios fomos educados.
Montessori é muito mais do que materiais bonitos ou um colchão no chão
A aplicação dos princípios e valores de Montessori implica duas faces de uma mesma moeda: a preparação técnica do adulto no sentido do seu necessário trabalho de aprofundamento e estudo da verdadeira natureza da criança em cada momento, das suas necessidades, características, para que a possa guiar e seguir. A outra face da moeda é a mais difícil: o quebrar com o ciclo de regresso à nossa própria infância na hora de aplicar esse conhecimento, sobretudo nos momentos mais difíceis. E aqui entra aquilo que Montessori designou de preparação espiritual do adulto: "A preparação para a educação é um estudo de si mesmo". O aprofundamento dos planos de desenvolvimento da criança e de todo o seu impacto, conduzem a uma compreensão do impacto que a nossa própria infância teve em nós. Esta consciência abre as portas para o trabalho interior que é necessário fazer para quebrar com os padrões que queremos deixar de reproduzir, rumo a uma educação para a paz.
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Por fim, não podemos falar em 'adulto preparado', mas sim em 'adulto em preparação', pois este é um trabalho para a vida. Um trabalho que exige uma enorme autocompaixão e congratulação por todas vezes em que conseguimos identificar os nossos gatilhos e fazer diferente.
O que recomendam aos pais que querem implementar da pedagogia Montessori?
MS: Em primeiro lugar, estudar sobre o tema, ler os livros de Maria Montessori e outros sobre o assunto, participar num curso ou formação, começar a procurar informações mais concretas sobre o plano de desenvolvimento da ou das crianças com quem se relacionam. Ter presente que Montessori é muito mais do que materiais bonitos ou um colchão no chão. Acima de tudo importa compreender o fundamento de todos os aspetos que integram esta abordagem para que possamos agir com 'autonomia pedagógica', sobretudo num contexto social onde as escolas Montessori são ainda em número muito reduzido. Por exemplo, ao compreendermos os fundamentos e especificidades que estão na base dos 'materiais Montessori' conseguimos compreender que o isolamento da dificuldade (um brinquedo focado numa só habilidade, ao invés de cinco habilidades ao mesmo tempo), promove a concentração e um trabalho mental mais direcionado. Ao estudar os fundamentos dos materiais, compreendemos também que a disponibilização de poucos materiais e a sua rotação permite observar os interesses das crianças e o que desperta mais a sua atenção, potenciando ainda a concentração. Ao descobrirmos que nas primeiras semanas de vida a criança apenas consegue distinguir os grandes contrastes (preto e branco), não faz sentido a estimulação das crianças com materiais coloridos nessa fase. Uma prática comum que na verdade só irá causar frustração, pois é informação que o bebé ainda não consegue processar. Compreendemos assim que uma simples imagem a preto e branco colocada ao lado do bebé é suficiente para lhe permitir um momento de concentração do qual irá regressar calmo e feliz. Estes exemplos ilustram a importância de procurarmos conhecimento e compreensão de forma fundamentada, sem cair na pressão de querer comprar tudo o que surge ou fazer tudo o que vemos e nos inspira. Compreender os princípios de Montessori é o primeiro passo para a construção, gradual, de uma nova educação e relação com as crianças.
É possível fazê-lo durante a gravidez e nos primeiros meses de vida do bebé?
CJ: Maria Montessori acreditava que os primeiros anos eram determinantes para todo o resto da vida. A "educação como ajuda à vida" inicia-se desde o nascimento e até antes. Durante o primeiro plano de desenvolvimento, desde o nascimento até aos seis anos, a criança busca a sua independência funcional. Se pensarmos num bebé recém-nascido e numa criança de seis anos, compreendemos Maria Montessori quando nos diz que é aqui que o homem se constrói. Dizia inclusivamente que a criança deste plano é o "pai do Homem". A partir daí, aprofunda-se o seu desenvolvimento. A criança procura e absorve a forma de funcionar, de estar, neste tempo, neste espaço e nesta cultura, através da chamada adaptação, e isto inclui aspetos de uma vivência funcional (autocuidado, linguagem, movimento, tradições, cultura, graça e cortesia, relação social), como também crenças fundamentais sobre si própria e sobre o mundo. Dentro destes seis anos que se mostram determinantes para o resto da vida, o primeiro ano assume uma importância especial. Maria Montessori defendia inclusivamente a criação da figura do assistente da infância, preparado para acompanhar a mãe e o bebé durante os primeiros meses de vida do bebé, por considerar um período ao qual deve ser dada a máxima proteção, perante o impacto definitivo que representa.
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E de que forma é que pode ser implementada?
MS: Durante a gravidez, a atitude de aceitação da mãe, por exemplo, é determinante para o desenvolvimento do bebé, deixando marcas que irão permanecer. Por outro lado, durante o primeiro ano, a mãe e o bebé são marcados pela forma como decorre o nascimento, como atravessam o período simbiótico (primeiras sete a oito semanas de vida), como se processam as 'crises de desenvolvimento' (nascimento, alimentação, desfralde), de que forma o movimento e a linguagem têm espaço para se desenvolver, entre outros. Compreender o incrível desenvolvimento que ocorre durante o primeiro ano é talvez uma das mais importantes preparações que uma família pode encetar para a chegada de um bebé. Essa compreensão irá permitir prepararem-se para acolher um novo membro da família e suportar as suas necessidades, com a adaptação do ambiente, com a disponibilização de materiais simples e adequados, e com a proteção da relação fusional entre a mãe e o bebé, com resultados surpreendentes na construção de uma personalidade confiante do seu valor e das suas capacidades.
Existem várias ideias distorcidas sobre a pedagogia, designadamente no que respeita ao elitismo e à inexistência ou excesso de limites
Muitos pais olham para este método como algo dispendioso. É assim?
CJ: Este é outro mito normalmente associado à aplicação de Montessori e que, muito possivelmente, está ligado a alguns equívocos em relação à prática. Esta não foi uma pedagogia criada com o intuito de ser elitista, muito pelo contrário. Maria Montessori trabalhou essencialmente com crianças de classe média-baixa e que moravam em bairros sociais. Em primeiro lugar, é certo que as escolas Montessori, por serem maioritariamente privadas, são efetivamente dispendiosas e inacessíveis para a grande maioria das crianças. Este aspeto é algo que irá ter de ser ultrapassado gradualmente, e depende de um reconhecimento do Governo da importância de uma reforma profunda no sistema de ensino, abertura a novas formas de ensino e a valorização da profissão do professor. Em segundo lugar, existe muito a ideia de que aplicar Montessori implica comprar inúmeros materiais que, por sua vez, são caros. No entanto, na aplicação dos princípios de Montessori em contextos que não os de sala Montessori, os materiais ocupam o lugar de menor importância. O grande convite é sem dúvida ao da preparação e transformação do adulto, que pode fazer uma diferença decisiva no ambiente físico e humano onde a criança irá crescer. Qualquer pessoa pode estudar sobre desenvolvimento infantil. Qualquer pessoa pode fazer alterações nos seus ambientes de forma a tornarem-nos acessíveis e seguros para as crianças. Qualquer família poderá adquirir brinquedos que respeitem as especificidades dos materiais Montessori. Na verdade, compreendemos rapidamente que o menos é mais.
Já para montar uma sala Montessori naturalmente que o investimento é diferente, pois existe a montagem de toda uma estrutura e aquisição de materiais específicos que podem ser dispendiosos. No entanto, importa deixar nota que o número aconselhado de crianças por sala se encontra entre as 30 e as 40 crianças.
Ainda existe muito ceticismo sobre o tema?
MS: Sim, sem dúvida. Muita coisa é dita e escrita sobre Montessori sem se conhecer os seus fundamentos e pilares. O próprio nome Montessori já cria algum ceticismo, essencialmente porque alguém já viu a sua aplicação em algum lugar de forma pouco fiel. Além disso, hoje em dia existem muitos brinquedos e livros com a designação de Montessori, mas que não seguem os seus fundamentos.
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Por outro lado, existe efetivamente uma crescente divulgação da abordagem Montessori, no entanto muitas vezes focada unicamente na questão dos materiais e do ambiente preparado. Um estudo da pedagogia permite-nos compreender que Montessori foi muito além de unicamente desenvolver uma abordagem pedagógica. Montessori atravessou duas guerras mundiais e assistiu a atrocidades humanitárias sem precedentes. A elaboração da sua abordagem foi feita em correlação estreita com uma análise profunda das crises da Humanidade e do tecido social, que ainda continuam tão atuais, e da urgência de desenvolver uma 'ciência da paz', da mesma forma que existe uma 'ciência da guerra' já altamente avançada. Maria Montessori foi nomeada três vezes para o Prémio Nobel da Paz precisamente por isto. Montessori não nos convida a criar escolas Montessori. O convite é o de uma profunda reforma construtiva social com base na premissa de que "na criança reside o futuro da humanidade".
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Que ideias erradas importa desmistificar?
MS: Existem várias ideias distorcidas sobre a pedagogia, designadamente no que respeita ao elitismo e à inexistência ou excesso de limites. Outra ideia que por vezes surge é a de que a criança é deixada sozinha nas suas aprendizagens. As crianças têm liberdade para circular na sala de aula e escolher as suas atividades. No entanto, só pode realizar uma atividade que já lhe foi apresentada e existe uma disposição sequencial de todos os materiais dispostos nas estantes da sala, de cima para baixo e da esquerda para a direita, para que a criança saiba por onde ir. Além disso, o professor acompanha e observa atentamente todas as atividades da criança, com vista à remoção de obstáculos e alterações que acompanhem o desenvolvimento de cada criança. Por vezes, perante o facto de serem salas mistas em termos de idade, menciona-se que é uma abordagem desmotivadora para os mais velhos. As salas Montessori são heterogéneas, tendo por norma crianças com três idades diferentes (dos três aos seis, dos seis aos nove, dos nove aos 12 e dos 12 aos 15 anos). As crianças para além de aprenderem com os professores, aprendem com os seus pares. Para as crianças mais novas é muito motivador aprender com os mais velhos, pois querem seguir o exemplo. Já os mais velhos consolidam o seu conhecimento sobre determinado tema, pois a melhor forma de aprender é ensinar, ganhando ainda autoconfiança e sentido de valorização pela ajuda que dão aos mais novos. Representando as salas uma réplica da vida em sociedade, toda esta dinâmica permite que as crianças cresçam com valores de compreensão, perseverança, respeito pelo próximo, respeito pelo ritmo do próximo, entre outras competências essenciais a uma sociedade pacífica.
Outra ideia que importa desmistificar é a de que é difícil aplicar Montessori. Não é. Com algum conhecimento e trabalho individual, sem dúvida que podem ir sendo introduzidas alterações, gradualmente, não só no ambiente e nos materiais, como na nossa relação com elas. Certos de que exige um trabalho contínuo, mas onde os resultados saltam à vista.
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