A dependência dos filtros nas fotografias publicadas nas redes sociais e a constante comparação está a fazer mossa em miúdos e graúdos. A procura incessante pela perfeição - pelo menos aos olhos de quem está do outro lado do ecrã - está a minar a confiança de várias pessoas e tem contribuído para um aumento exponencial da procura por cirurgias plásticas, revela ao Lifestyle ao Minuto Duarte Salema Garção, médico cirurgião e diretor clínico da My Clinique.
É indiscutível. "As redes sociais estão tão enraizadas na nossa sociedade que, muitas vezes, torna-se difícil distinguir o que é real do editado", avisa.
Aos consultórios de medicina estética chegam pacientes acompanhados de fotografias com filtros para ficaram como aparecem nas selfies. "Cabe aos profissionais médicos especializados acompanhar adequadamente os seus pacientes, oferecendo soluções que as permitam aproximar do seu ideal de beleza, de uma forma natural e adequada, respeitando sempre as características individuais de cada pessoa", defende Duarte Salema Garção.
Há uma relação entre os filtros do Instagram e a cirurgia plástica?
Durante os últimos anos, têm sido criados ideais de beleza padronizados – lábios volumosos, rostos sem rugas, linhas mandibulares e maçãs do rosto proeminentes -, que nem sempre valorizam a beleza natural de cada pessoa. A padronização dos traços do rosto está muitas vezes associada a celebridades influentes. Os filtros utilizados nas redes sociais permitiram a visualização do rosto com algumas destas alterações influenciando os pacientes que muitas vezes chegam às consultas médicas com estas referências.
Algo que ao início parecia inofensivo pode, na realidade, apresentar riscos?
O risco dos filtros passa muitas vezes pela gestão de expectativas dos pacientes. Cada caso clínico é um caso, pelo que não é adequado padronizar características individuais. Aquilo que um computador ou telemóvel corrige nem sempre pode ser reproduzido pelo profissional médico. Na My Clinique explicamos isso mesmo aos nossos pacientes.
Chegam-nos pacientes que nas consultas de avaliação desejam conseguir obter alterações baseadas em filtros das redes sociais ou inspiradas em celebridades
Considera que rede social está a influenciar a nossa aparência não apenas no mundo virtual como no real?
Sim, sem dúvida. As redes sociais estão presentes no nosso dia-a-dia e têm um poder de influência muito grande na população.
Chegam ao seu consultório pedidos inspirados nas redes sociais?
Sim, na My Clinique chegam-nos pacientes que nas consultas de avaliação desejam conseguir obter alterações baseadas em filtros das redes sociais ou inspiradas em celebridades. Cabe aos profissionais médicos especializados acompanhar adequadamente os seus pacientes, oferecendo soluções que as permitam aproximar do seu ideal de beleza, de uma forma natural e adequada, respeitando sempre as características individuais de cada pessoa.
Quais os mais solicitados?
Preenchimentos faciais, preenchimento labial, rinoplastia e rinomodelação, mamoplastia de aumento e lipoaspiração.
Lembra-se de algum caso extremo?
Uma paciente chegou à consulta de avaliação para aumentar o volume glúteo, com o objetivo de se assemelhar a algumas das estrelas das redes sociais. Foi-lhe proposto um aumento glúteo com implantes e executado o procedimento cirúrgico com o máximo volume de implante acomodado pelos seus tecidos. Apesar do resultado muito satisfatório e com um volume máximo tendo em conta a sua fisionomia, a paciente ficou insatisfeita, mantendo o desejo de aumentar o volume. Nesse caso, explicámos que a cirurgia plástica não deve ultrapassar certos limites, quer por segurança, quer pela manutenção de resultados naturais.
Como distinguir um caso normal de uma obsessão pela procura do 'eu ideal'?
Isso ocorre nas consultas de avaliação médicas, sendo a confirmação de suspeita realizada a posteriori por uma avaliação psicológica realizada pela psicóloga. O diagnóstico pode e deve ser confirmado pelo médico psiquiatra.
Torna-se difícil distinguir o que é real do editado
O que propõe nesses casos?
Acompanhamento psicológico. O papel da psicologia é de extrema importância, pois permite avaliar possíveis casos de dismorfia corporal, noções distorcidas de beleza e perceções erradas sobre o próprio corpo e rosto.
Nota que há quem não consiga distinguir o real do editado?
Sim, as redes sociais estão tão enraizadas na nossa sociedade que, muitas vezes, torna-se difícil distinguir o que é real do editado. Num mundo cada vez mais digital, a educação sobre a segurança e os perigos adjacentes não pode ficar esquecida.
Qual o papel dos pais/educadores/escolas?
O desenvolvimento de senso crítico em relação ao que está disponível na Internet passa, muitas vezes, por debates e conversas relacionadas com este tema.
Quais os sintomas de dismorfia corporal?
Baixa auto-estima, preocupação excessiva com determinadas regiões do corpo, dificuldades de concentração noutras situações do dia-a-dia, evitar a vida social e, entre outros, uma obsessão com o espelho ou não se conseguir olhar ao espelho.
No limite, quais os riscos desta situação?
Poderemos estar perante um caso de depressão ou vontade de prática de técnicas que criam riscos para a saúde ou dismorfias corporais iatrogénicas (provocadas por atos médicos) pós-cirúrgicas.