O cancro digestivo é a principal causa de morte por cancro na Europa, com mais de 350 mil mortos por ano, em consequência de cancro colorretal, gástrico, pancreático e hepático. Segundo dados do Globocan de 2020, o cancro colorretal é o mais frequente em Portugal, correspondendo a 17,4% dos que são diagnosticados, sendo ainda o segundo mais letal, a seguir ao do pulmão.
O cancro do estômago corresponde a 4,9% dos diagnósticos de cancro em Portugal. É o quinto mais frequente, mas é o terceiro mais letal. Por esta razão, os cancros digestivos apresentam uma importância incontornável nos cuidados de saúde da população portuguesa, sendo que nunca é demais relembrar os sinais de alerta, os fatores de risco e a possibilidade de prevenção.
Entre 70 e 90% dos casos de cancro colorretal são diagnosticados em fase sintomática. São sinais de alarme o aparecimento de sangue nas fezes, a dor abdominal, a alteração do trânsito intestinal e a anemia recente, os quais devem justificar a realização de colonoscopia célere. Os tumores precoces são primordialmente assintomáticos e identificados no contexto do programa de rastreio.
Rita Gomes de Sousa© DR
A maioria dos cancros do estômago são também sintomáticos no momento do diagnóstico, infelizmente já numa fase de doença avançada e incurável, o que justifica a sua elevada mortalidade. São sinais de alarme a existência de dor abdominal, o emagrecimento, a anemia recente e a disfagia (dificuldade em engolir), os quais devem motivar a realização de uma endoscopia digestiva alta.
Para reduzir a elevada incidência e mortalidade destes tumores, pretendemos prevenir o seu aparecimento ou diagnosticar numa fase precoce, o que só se consegue reduzindo os fatores de risco associados e assegurando o cumprimento de um programa de rastreio. São fatores de risco inevitáveis para o cancro coloretal o sexo masculino, mas também a idade, dado que cerca de 70% dos doentes têm mais de 65 anos. São fatores de risco evitáveis a obesidade, o sedentarismo, o elevado consumo de carne vermelha ou processada, a baixa ingestão de fruta e vegetais e os hábitos alcoólicos e tabágicos. A partir dos 50 anos, a adesão a um programa de vigilância permite a deteção e tratamento de lesões precursoras, designadas de pólipos, ou de tumores em fase precoce.
São também fatores de risco inevitáveis para o cancro no estômago o sexo masculino e a idade. O mais frequente está associado a infeção com Helicobacter pylori, a hábitos alcoólicos e tabágicos, ao elevado consumo de sal e à ingestão reduzida de frutas e vegetais. Tem uma incidência muito elevada nos países asiáticos, onde está instituído um programa de rastreio universal de cancro do estômago e há evidência de que a erradicação do Helicobacter pylori reduz a incidência nos indivíduos saudáveis.
Portugal é um pais de incidência moderada, sendo consensual a erradicação do Helicobacter pylori nos indivíduos de maior risco e a vigilância endoscópica em função da existência de história familiar ou de gastrite avançada. No entanto, alguns autores já sugerem a erradicação de Helicobacter pylori nos indivíduos saudáveis dos países de moderada incidência e foi demonstrada uma relação positiva custo-benefício na realização de endoscopia digestiva alta combinada com a colonoscopia de rastreio na população portuguesa a partir dos 50 anos.
A maioria dos casos dos dois cancros são esporádicos e não estão associados a hereditariedade. Em 10 a 30% dos casos de cancro colorretal existe uma história familiar. No caso do cancro do estômago ronda os 10%, sendo que indivíduos saudáveis com história familiar de um e de outro têm um risco acrescido quando comparando com indivíduos que não a tenham.
A existência de história familiar de cancro colorretal é indicação para realização de colonoscopia como método de rastreio, em detrimento de outros métodos, e deve ser realizada com um intervalo de cinco anos ou menos em função da deteção de pólipos e da história familiar. A existência de história familiar no cancro do estômago é indicação para a deteção e erradicação de Helicobacter pylori e para vigilância endoscópica na presença de gastrite avançada.
A identificação de uma mutação genética ocorre em apenas 3% dos casos em ambos os cancros. No entanto, a identificação de uma síndrome hereditária permite a aplicação de programas de vigilância clínica e endoscópica que permitem a redução da incidência e mortalidade de neoplasia.
No Dia Nacional do Cancro Digestivo, saliento a importância de adotar uma dieta saudável e equilibrada, de praticar exercício físico e de explorar com o seu médico a pertinência de aderir a um programa de vigilância de cancro. Existindo história familiar, não deixe de falar com o seu médico gastrenterologista para adequar os métodos de prevenção e avaliar a possibilidade de uma doença hereditária.
*Texto assinado por Rita Gomes de Sousa, gastrenterologia no Hospital CUF Descobertas e Clínica CUF Almada - Consulta de Risco Familiar Oncológico.