Apesar de ser ainda desconhecido para a maior da população, o vírus sincicial respiratório (RSV) tem provocado um congestionamento dos serviços de urgência pediátricos norte-americanos, devido ao aumento de novos casos. Altamente contagioso, este vírus propaga-se com mais facilidade em creches, jardins de infância e escolas durante os meses frios.
O RSV transmite-se através de secreções, como tosse ou espirros, e contacto físico próximo. É responsável por 60 a 80% dos casos de bronquiolite aguda, a maior causa de hospitalização infantil, e 40% dos casos de pneumonia pediátrica a nível mundial. "A infeção pode ser ligeira ou conduzir a uma situação ameaçadora da vida", alerta Gustavo Januário, assistente hospitalar graduado de pediatria e responsável pela consulta de doenças infeciosas do Hospital Pediátrico de Coimbra.
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A maioria das crianças não apresenta sequelas futuras, "mas algumas delas terão vários episódios posteriores de sibilância e outras poderão mesmo ser diagnosticadas com asma".
São típicas as reinfeções ao longo da vida
O que é o vírus sincicial respiratório?
É um vírus respiratório que causa uma variedade de sintomas em crianças, adolescentes e adultos, incluindo febre, tosse, rinorreia e dificuldade respiratória. Pode afetar todas as idades e são típicas as reinfeções ao longo da vida. No entanto, é nas crianças, sobretudo nos primeiros meses de vida, que o fardo da doença é significativamente maior.
Em que altura do ano é mais frequente a infeção por este vírus?
A infeção ocorre globalmente, mas a sua frequência é influenciada pela localização geográfica, tipo de clima e condições meteorológicas. Em países de clima temperado do hemisfério norte, tem um padrão epidémico com o maior número de casos a ocorrer tipicamente nos meses mais frios – dezembro e janeiro -, embora a epidemia ocorra de novembro a março.
Quais os sintomas que provoca?
São tipicamente influenciados pela idade e pela existência de comorbilidades. A infeção pode ser ligeira ou conduzir a uma situação ameaçadora da vida. Os sintomas podem ir desde uma vulgar constipação, caracterizada por tosse e rinorreia, até uma bronquiolite aguda e pneumonia caracterizadas por febre que poderá ser elevada, tosse, dificuldades alimentares e dificuldade respiratória que poderá ser grave e necessitar de administração de oxigénio ou mesmo de apoio ventilatório. Este vírus é a principal causa de bronquiolite aguda e de pneumonia grave com necessidade de hospitalização.
O vírus sincicial respiratório é uma das maiores causas de hospitalização nos primeiros anos de vida
Por ser altamente contagioso, que cuidados devem os doentes ter?
Os doentes poderão ter desde uma infeção ligeira até uma infeção ameaçadora da vida. Como tal, os cuidados dependerão da gravidade da infeção. Apesar da maioria das crianças não precisar de internamento, o número de crianças, numa primeira infeção, que necessitam de observação médica urgente é muito significativa, uma vez que até aos dois anos quase todas as crianças terão contacto com este vírus.
Qual o período de incubação deste vírus? E como é transmitido?
Este vírus é transmitido por contacto direto ou através de fómites [uma espécie de objetos que podem ser contaminados por agentes infecciosos], pela inoculação de gotículas respiratórias com origem em secreções mucosas nasofaríngeas ou oculares. O contacto direto é a via mais frequente de transmissão, embora gotículas grandes aerossolizadas também tenham sido já implicadas nesta dinâmica de transmissão. O vírus poderá sobreviver várias horas nas mãos ou em fómites, razão pela qual a lavagem das mãos e precauções de contacto como o distanciamento permanecem os fatores mais importantes para prevenir a disseminação associada aos cuidados de saúde. O período de incubação da doença é de cerca de quatro a seis dias.
Quais as principais consequências? Quão grave pode ser?
Muito grave. O vírus sincicial respiratório é uma das maiores causas de hospitalização nos primeiros anos de vida. Especialmente nos primeiros seis meses de vida.
A pandemia de Covid-19 (...) teve um impacto tremendo no nível de transmissão
Quais as implicações do RSV na saúde das crianças?
As crianças com sintomas moderados a graves necessitarão de vigilância parental ou clínica. Além disso, poderão necessitar de antipiréticos se existir febre e nalguns casos de dificuldade alimentar extrema de soroterapia por via intravenosa. A maioria das crianças hospitalizadas poderá necessitar da administração de oxigénio suplementar e de soroterapia. A maioria não apresentará sequelas futuras, mas algumas delas terão vários episódios posteriores de sibilância e outras poderão mesmo ser diagnosticadas com asma. Apesar da gravidade potencial da infeção ser claramente maior em prematuros, crianças com baixo peso e aquelas com comorbilidades, incluindo doença cardíaca e pulmonar crónicas, doença neuromuscular, displasia bronco—pulmonar e, entre outras, trissomia 21, a verdade é que a maioria das crianças internadas (>90%), por infeção grave são previamente saudáveis e nascidas de termo.
Uma vez que não existe, para já, tratamento específico para esta infeção, o que fazer? Que medidas devem ser adotadas para a prevenção de doenças como a bronquiolite aguda e pneumonia pediátrica?
As medidas gerais de prevenção são fundamentais, sendo focadas na diminuição da inoculação. Incluem por exemplo:
- Lavagem das mãos em todos os locais, particularmente quando existem crianças de alto risco que possam estar em risco potencial de exposição a infeções respiratórias de irmãos mais velhos;
- Praticar medidas de etiqueta respiratória como tapar o nariz e a boca quando se tosse;
- Evitar a exposição ao fumo de tabaco e a outros agentes poluidores;
- Restrição da entrada na creche durante o período epidémico do vírus em crianças de alto risco.
Em algumas crianças de alto risco para doença grave está disponível um anticorpo monoclonal. Em Portugal, este anticorpo monoclonal - Palivizumab -, está apenas indicado para um número muito pequeno de lactentes com comorbilidades importantes e muito prematuros.
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O que mudou com a pandemia?
A pandemia de Covid-19 e, sobretudo, as intervenções não farmacológicas implementadas, tais como os confinamentos generalizados, o fecho das escolas, a restrição das viagens, o uso obrigatório de máscara, o distanciamento físico e social, a higiene das mãos e a alteração de comportamentos teve um impacto tremendo no nível de transmissão da infeção por vírus sincicial respiratório e de outros vírus. Desta forma, assistiu-se a um período inédito, cuja duração foi diferente de país para país, uma vez que as medidas implementadas foram diferentes, em que a circulação de vírus sincicial respiratório, em 2020, diminui consideravelmente e quase desapareceu.
Os diagnósticos associados a esta infeção, como bronquiolite aguda e pneumonia, também baixaram muito significativamente. A determinada altura assistiu-se a um relaxamento destas medidas e depois a um levantamento das mesmas, culminando num ressurgimento do vírus em 2021 na forma de uma epidemia, nunca antes observada. Esta epidemia teve características particulares, uma vez que ocorreu fora da época típica e foi mais precoce (início em maio de 2021), o número de casos foi muito superior ao das épocas epidémicas anteriores e o pico foi atingido mais rapidamente e a duração foi muito prolongada. Prolongou-se até 2022.
Os dados de que dispomos em Portugal são oriundos da Rede Nacional de Vigilância do VSR (VigiRSV), que resulta de uma parceria entre o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e a Sociedade Portuguesa de Pediatria. Constituída em 2021, esta rede integra 19 hospitais públicos e um hospital privado, distribuídos por todas as regiões de saúde de Portugal Continental e região autónoma da Madeira, que reportam semanalmente casos de infeção respiratória aguda em crianças internadas com menos de 24 meses e desde a sua criação já permitiu a identificação de dois períodos de atividade anómala de VSR em Portugal.
Mais. Um estudo português recentemente publicado apontou para os custos anuais diretos, apenas relacionados com os gastos da hospitalização de infeções respiratórias baixas potencialmente relacionadas com o vírus em crianças abaixo dos cinco anos, na ordem dos dois/sete milhões de euros por ano.
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