Aparece sem aviso e é uma velha inimiga da adolescência, com consequências visíveis, que, por vezes, não desaparece da 'fotografia'. Ao contrário do que muitos julgam, a acne não é um problema só dos mais novos. Em Portugal, esta condição cutânea atinge 42,1% dos jovens com menos de 15 anos e a percentagem sobe para 55,8% quando falamos de idades entre os 15 e os 29 anos, números que mexem com a nossa autoestima e que, com a pandemia, se agravaram, devido ao uso constante da máscara de proteção contra a Covid-19.
As causas deste problema estão identificadas. A produção excessiva de sebo está, por exemplo, na sua origem. Já fatores como o stress, a falta de sono e a dieta agravam-no. Mas como atuar? A propósito de uma campanha de sensibilização sobre os mitos da acne, que chegou a mais de 10 mil jovens, através da CeraVe, com o apoio científico da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia, o Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com o dermatologista Vasco Macias.
O tratamento correto e atempado da acne é fundamental para a prevenção das cicatrizes
© Vasco Macias
'Trocando por miúdos', o que é, exatamente, a acne? Como se manifesta e quais as causas?
A acne é uma doença inflamatória da pele, descrita pela primeira vez no século VI d.C. É uma patologia multifatorial, causada por uma complexa interação de fatores internos e externos. Para além de uma possível predisposição genética, as causas da acne englobam a produção excessiva de sebo - muitas vezes influenciada por fatores hormonais, a formação de comedões (pontos negros) e a colonização bacteriana, (sobretudo pela bactéria Cutibacterium acnes). Em conjunto, estes fatores provocam uma resposta inflamatória na pele que causa o aparecimento das lesões de acne.
Do ponto de vista clínico, as lesões de acne localizam-se preferencialmente nos locais de maior concentração das glândulas sebáceas, como a face e porção superior do tronco, e podem ser de diversos tipos: comedões abertos e fechados (vulgarmente designados por pontos negros e pontos brancos, respetivamente), pápulas, pústulas e, nos casos mais graves, nódulos e quistos. Muito raramente, as formas mais graves de acne podem estar associadas a sintomas gerais como febre, dores musculares e articulares, alterações ósseas, entre outras. O tratamento correto e atempado da acne é fundamental para a prevenção das cicatrizes que poderão ter grande impacto estético e psicológico.
Ocorre mais frequentemente em que fase da vida?
Na adolescência e, nesta fase, habitualmente é consequência do incremento da concentração de hormonas sexuais em circulação que provocam um aumento da produção de sebo na pele, dando início à ''cascata' de alterações cutâneas que provocam o aparecimento das lesões de acne.
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Mas não afeta só os mais novos.
Não. De facto, o pico de incidência de acne ocorre durante a adolescência, quando cerca de 85% dos jovens entre os 12 e os 24 anos são afetados. Todavia, apesar de habitualmente ser associada aos adolescentes, diversos estudos comprovam que os adultos com mais de 25 anos também são afetados, particularmente as mulheres. Estima-se que cerca de 40% das mulheres adultas tenham acne.
Aceitar a acne tardia não é fácil, sobretudo para quem nunca a teve na adolescência. Como lidar com esta situação?
A acne da mulher adulta é uma situação cada vez mais frequente e, tal como a acne juvenil, acompanha-se de um marcado impacto psicossocial. Vários estudos demonstram que a acne causa uma diminuição da qualidade de vida semelhante a outras doenças potencialmente graves como a asma, epilepsia, diabetes ou doença coronária. Do ponto de vista de evolução clínica, podemos distinguir três subtipos de acne da mulher adulta:
Subtipo persistente: corresponde a um prolongamento da acne juvenil e é o subtipo mais frequente;
Subtipo de início tardio: forma de acne que surge durante a idade adulta em mulheres sem história prévia de acne;
Subtipo recidivante: corresponde a uma recidiva da acne durante a idade adulta em mulheres com história de acne juvenil.
Independentemente do subtipo, todas as formas de acne tardia podem associar-se a desconforto e sofrimento psicológico. Muito frequentemente os doentes com acne relatam sentimentos de embaraço, ansiedade, depressão e até discriminação social na escola e emprego. A melhor forma de lidar com a situação será procurar uma opinião especializada, nomeadamente do dermatologista, para iniciar o tratamento correto e mais adequado a cada situação.
O stress (físico ou emocional) contribui para o aumento dos níveis de cortisol e, consequentemente, para aumento da secreção das glândulas sebáceas da pele
Quais as peles com mais hipóteses de desenvolver esta condição?
Qualquer pessoa pode ter acne. No entanto, como a acne está relacionada com a atividade das glândulas sebáceas da pele, habitualmente, as lesões de acne estão localizadas nas áreas mais seborreicas (face e porção superior do tronco). Tipicamente a acne está associada ao aumento da oleosidade cutânea.
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É possível prevenir?
Existem poucos estudos focados na prevenção da acne. No entanto, alguns comportamentos poderão ser úteis. Deve ser feita, por exemplo, uma correta higiene da face, pois remove o excesso de oleosidade, impurezas e suor que podem contribuir para o agravamento da acne. Deve dar-se preferência a produtos suaves, não deslipidantes e não comedogénicos ('oil-free'). Mas atenção: a lavagem excessiva pode irritar a pele e agravar a acne. Devemos lavá-la ao acordar e antes de dormir. É também essencial limpar a pele antes e depois de praticar exercício físico. A oclusão dos poros pode contribuir para o agravamento da acne. Além disso, é importante afastar o cabelo da face enquanto se pratica exercício físico para evitar que os óleos dos produtos de 'styling' como ceras, lacas e géis de cabelo possam agravar a acne. É igualmente necessário ter atenção à correta utilização de produtos adaptados ao tipo de pele: os produtos não comedogénicos, ou seja, que não provocam obstrução dos poros, contribuem para a prevenção e tratamento da acne. Deverá optar sempre por estas gamas quando procura produtos de higiene, hidratantes, protetores solares, maquilhagem e qualquer outro produto cosmético que se destine a ser aplicado na face. Partilhar maquilhagem, pincéis e outros aplicadores de maquilhagem é um 'não'. Apesar da acne não ser uma doença contagiosa, isto pode levar à transferência de bactérias e sebo que causam agravamento da acne. De recordar ainda que as mãos têm diversas bactérias e impurezas que agravam a acne. Além disso, o stress (físico ou emocional) contribui para o aumento dos níveis de cortisol e, consequentemente, para aumento da secreção das glândulas sebáceas da pele. Já um sono insuficiente ou de má qualidade pode contribuir para o aumento dos níveis de cortisol e agravamento da acne. Cuidados com a dieta também podem ajudar a prevenir a doença, assim como trocar os lençóis, pelo menos, uma vez por semana, para evitar a acumulação de células mortas e bactérias nos lençóis e almofadas que poderão agravar a acne.
Ter algumas borbulhas não significa que seja acne. Como tal, como saber se temos, de facto, esta doença?
De facto, nem todas as borbulhas são sinónimo de acne. Existem diversas outras causas, como foliculites, pseudofoliculites, rosácea e erupções acneiformes. Por definição, a acne faz-se acompanhar de outras lesões, tipicamente os comedões ou pontos negros, mas cabe ao dermatologista o esclarecimento da situação e definição do diagnóstico.
Existe acne no couro cabeludo?
Na maioria dos casos, as lesões inflamatórias do couro cabeludo representam foliculites (inflamação dos folículos pilosos) e podem ter diversas causas. No entanto, em algumas situações, estas foliculites do couro cabeludo poderão coexistir ou estar associadas à acne.
Quais os maiores mitos e preconceitos sobre esta doença?
É extensa. Estes são alguns dos mais frequentes/importantes:
A acne resolve-se mais rapidamente com a esfoliação frequente: pelo contrário, a esfoliação pode agravar a acne. Em vez disso será mais adequado lavar a face com um produto suave;
A higiene da face deverá ser o mais frequente possível: pelo contrário, a higiene demasiado frequente poderá ser prejudicial. A higiene da face deverá ser realizada duas vezes por dia;
Há pessoas em que nenhum tratamento para a acne é eficaz: atualmente, os medicamentos de que dispomos são bastante eficazes e seguros, permitindo tratar praticamente todos os doentes com acne;
Não há vantagens em tratar a acne precocemente: o tratamento precoce pode evitar a progressão para formas mais graves de acne, reduzindo ainda o risco de cicatrizes permanentes.
O uso de maquilhagem provoca acne: a maquilhagem não comedogénica ou 'oil-free' não causa acne e, por isso, pode ser utilizada. É, portanto, fundamental a correta seleção da maquilhagem a utilizar;
A acne resolve-se espontaneamente após a puberdade: efetivamente a acne é mais frequente na adolescência, mas não há garantia de que se resolva após essa etapa da vida;
Apesar de alguns dos ingredientes das pastas dentífricas poderem acelerar a resolução das borbulhas, estas contêm ingredientes abrasivos que não são indicados para aplicação na pele.
Há tratamentos para a acne que mostram resultados imediatos: embora haja alguns produtos que alegam esses resultados, a verdade é que a maioria dos tratamentos para a acne tardam quatro a oito semanas a mostrar a sua eficácia;
Os pontos negros resultam da acumulação de sujidade: na verdade os pontos negros são o resultado da acumulação de sebo, células mortas e bactérias. A coloração negra ocorre como consequência da oxidação desses elementos. O pó/sujidade não causa acne.
As pastas dentífricas ajudam a tratar as borbulhas: apesar de alguns dos ingredientes das pastas dentífricas poderem acelerar a resolução das borbulhas, estas contêm ingredientes abrasivos que não são indicados para aplicação na pele. Será mais eficaz e seguro optar por produtos de aplicação cutânea com ingredientes seguros e clinicamente testados como o ácido salicílico, retinóides ou peróxido de benzoílo.
O sol melhora a acne?
Este é mais um mito muito frequente. Apesar de algumas radiações solares terem efeito anti-inflamatório na pele e do efeito de camuflagem que o bronzeado pode ter ao disfarçar a vermelhidão de algumas lesões, a verdade é que a exposição solar faz com que a pele se torne mais espessa e aumente a produção de sebo para compensar o efeito secante do sol. Isso pode agravar a obstrução dos folículos pilosos e, dessa forma aumentar a acne. Além disso, a exposição solar pode provocar o aparecimento de manchas escuras nos locais que estão inflamados (hiperpigmentação pós-inflamatória).
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É mesmo verdade que alguns alimentos, como o chocolate, agravam a doença?
Apesar de este ser um tema controverso, alguns estudos parecem indicar que, nas formas moderadas a graves de acne, o consumo exagerado de alguns alimentos pode agravar a acne. Sobre o chocolate, devemos moderar o seu consumo. O chocolate de leite, devido ao seu conteúdo lácteo, e o chocolate negro, pelo seu conteúdo em ácidos gordos que contribuem para a formação de comedões, podem agravar a acne. Estudos indicam também que o consumo de mais de dois copos de leite por dia pode contribuir para o agravamento das formas moderadas a graves de acne. Curiosamente, esta associação parece ser mais notória com o leite magro. Alimentos como os refrigerantes, batatas fritas, produtos de pastelaria, arroz branco e a 'fast-food' provocam um rápido aumento dos níveis de açúcar no sangue que são responsáveis pelo agravamento da acne. Alguns estudos sugerem que uma dieta com baixo nível de açucares e rica em vegetais, fruta fresca e peixes com elevada concentração de ómega 3 pode reduzir a acne.
No caso das mulheres, a pílula pode mesmo ajudar?
O tratamento da acne deve ser personalizado e adequado a cada pessoa. Tendo em conta o tipo predominante de lesões, a gravidade e extensão da doença, a idade do paciente e a estação do ano, o dermatologista poderá optar por diferentes opções terapêuticas. A maioria dos doentes ficará controlado com a utilização de medicamentos de aplicação cutânea (os ingredientes mais frequentes e eficazes são, entre outros, os retinóides, peróxido de benzoílo, ácido salicílico, antibióticos e ácido azelaico. Em algumas situações será necessário recorrer a medicamentos orais (antibióticos, retinóides ou medicamentos com ação hormonal como, por exemplo, a pílula contracetiva). Terapêuticas adjuvantes como peelings, tratamentos laser e até alguns procedimentos cirúrgicos poderão também ser considerados, sobretudo para a melhoria das cicatrizes.
E, afinal, devemos ou não espremer borbulhas?
Apesar de, por vezes, ser muito tentador, os doentes com acne não devem espremer as borbulhas. Na verdade, esse gesto vai causar um agravamento da inflamação e aumentar o risco de infeção, aumentando dessa forma a probabilidade de cicatriz.
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