Os números são alarmantes. Estima-se que cerca de 75 a 80% das pessoas sexualmente ativas entrem em contacto com o vírus do papiloma humano (HPV), que está na origem do cancro do colo do útero. A vacina contra o HPV, integrada no Plano Nacional de Vacinação desde outubro de 2008, tem elevada eficácia na prevenção, mas a ginecologista e obstetra Paula Ambrósio defende, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que é necessário ir mais além.
Lembrando que a vacina contra o HPV começou a ser administrada a jovens do sexo masculino em outubro de 2020 e que abrange todos os rapazes nascidos a partir de 2009, a médica explica que o objetivo é "reduzir a carga viral em circulação, o que poderá ter um impacto benéfico colateral nas mulheres que têm relações sexuais com homens".
Esta declaração é corroborada pelos últimos ensaios clínicos, que mostram que rapazes vacinados contribuem para o alcance da tão desejada imunidade de grupo, para a qual Portugal tem vindo a trabalhar ao longo dos últimos anos, reforçando o controlo do cancro do colo do útero.
Portugal apresenta a incidência mais elevada de cancro do colo a nível da Europa Ocidental
E não é tudo. As mulheres até aos 45 anos são também aconselhadas pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia a tomaram a vacina contra o HPV.
© Paula Ambrósio
A nível mundial, estima-se que, anualmente, sejam diagnosticados 530 mil novos casos de cancro do colo do útero. Esta é a realidade em Portugal?
Portugal apresenta a incidência mais elevada de cancro do colo a nível da Europa Ocidental e, segundo dados de 2018, ainda são afetadas por ano, cerca de 700 mulheres em Portugal, sendo o segundo mais frequente entre os 15 e os 44 anos. Porém, nos últimos anos, tem-se feito um enorme esforço para reduzir estes números através da implementação, a nível nacional, de rastreios que permitem a toda a população elegível, ou seja, mulheres entre os 25 e os 60 anos, identificar precocemente as lesões pré-invasivas e tratá-las, impedindo assim a sua progressão para cancro.
Além dos rastreios, de que forma podemos alterar estes números?
A vacinação gratuita de todas as meninas a partir dos 10 anos de idade (e até aos 17) implementada no Plano Nacional de Vacinação em 2008 permite prevenir em até 90% o desenvolvimento de lesões pré-invasivas e cancro do colo, pelo que se espera que este panorama vá mudar num futuro próximo.
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O Vírus do Papiloma Humano (HPV) e o cancro do colo do útero são indissociáveis?
Sem HPV é praticamente impossível haver cancro do colo, embora em casos muito raros ele não esteja presente. Mas a verdade é que a infeção a HPV é muito frequente e, na maioria dos casos, resolve-se espontaneamente. Dito de outra forma, ter HPV não implica que se vai ter cancro, mas a sua identificação (a base do rastreio atual) permite identificar os casos em que o risco pode ser maior.
A vacinação dos homens, além da proteção individual para todos os cancros que podem estar associados ao HPV, nomeadamente cancro do pénis, anus e orofaringe, vai reduzir a carga viral em circulação
Por que motivo é tão importante fazer a vacinação contra o HPV?
A vacinação é a única forma de impedir a infeção por HPV e consiste na medida de prevenção primária mais eficaz. A partir do momento em que identificamos um agente causal (neste caso, um vírus) e que desenvolvemos uma vacina altamente eficaz contra esse mesmo vírus, estamos no caminho para a erradicação das doenças a que se associa.
Ainda que esta doença seja exclusiva das mulheres, a verdade é que o sexo masculino pode ajudar a controlar ou até mesmo a erradicar o cancro do colo do útero. De que modo?
A vacinação dos homens, além da proteção individual para todos os cancros que podem estar associados ao HPV, nomeadamente cancro do pénis, anus e orofaringe, vai reduzir a carga viral em circulação, o que poderá ter um impacto benéfico colateral nas mulheres que têm relações sexuais com homens
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Esta patologia desenvolve-se silenciosamente. Ainda assim, há sinais. Quais os sintomas mais comuns?
O cancro do colo do útero só dá sintomas quando já está numa fase avançada. Nestes casos, uma perda de sangue por via vaginal, especialmente se associada às relações sexuais, hemorragias menstruais muito abundantes ou irregulares, dores pélvicas ou lombares, ou mesmo corrimento vaginal com odor muito intenso podem ser alguns dos sintomas.
Quais os fatores de risco associados a esta doença oncológica?
Os fatores que parecem estar mais associados ao desenvolvimento do cancro do colo do útero são o consumo de tabaco, o início precoce da atividade sexual, a imunodepressão, entre outros mas, na realidade, o maior fator de risco é mesmo a não realização do rastreio
Qual a importância do teste de papanicolau na prevenção do cancro do colo do útero
Atualmente, o rastreio baseia-se na presença de HPV nas células do colo do útero, estando a citologia (vulgo teste de Papanicolau) reservada para os casos em que a pesquisa de HPV não está disponível ou para orientar situações em que é necessário ter informação adicional perante um resultado de HPV positivo.
Quais os tratamentos indicados para estas doentes?
O cancro do colo do útero pode ser tratado através de cirurgia, quimioterapia e radioterapia, dependendo do estádio da doença e das características das doentes. Em casos muito iniciais, é possível fazer-se a remoção apenas da parte do colo que está afetada, mas habitualmente esta opção está reservada para mulheres que ainda queiram engravidar.
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