Surto psicótico. O que é? Acontece a qualquer um? Psicóloga esclarece

Como nos últimos dias a expressão surto psicótico tem estado em destaque, por força do ataque que vitimou duas mulheres no Centro Ismaili em Lisboa, falámos com Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, fundadora e diretora da Academia Transformar, que esclareceu algumas dúvidas sobre a condição.

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Margarida Ribeiro
31/03/2023 14:45 ‧ 31/03/2023 por Margarida Ribeiro

Lifestyle

Saúde mental

Foi na passada terça-feira que Abdul Bashir, um cidadão afegão, matou duas mulheres, no Centro Ismaili, em Lisboa. Após a sua detenção, em declarações aos jornalistas, Luís Neves, o diretor nacional da Polícia Judiciária, afirmou que, durante o ataque, o suspeito estaria a ter um "momento de surto psicótico".

Como o 'diagnóstico' tem feito muitas manchetes e causado muitas dúvidas, o Lifestyle ao Minuto falou com Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, fundadora e diretora da Academia Transformar, sobre a condição. 

É, segundo a especialista, "uma condição na qual uma pessoa perde contacto com a realidade" e deixa de se "reger pela razão e lógica, experimentando alucinações, delírios e pensamentos desorganizados", explica. 

Além disso, elucida, a "psicose está associada a fatores biológicos e hereditários, mas é condicionada por reatividade a stress, consumos de drogas e dificuldades relacionais". 

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Durante um surto psicótico, a pessoa pode ter então uma perceção distorcida da realidade, ver ou ouvir coisas que não existem e acreditar em coisas que não são verdadeiras, fatores que podem levar a comportamentos estranhos, assustadores ou perigosos

O que é um surto psicótico? 

Um surto psicótico é uma condição na qual uma pessoa perde contacto com a realidade, o que significa que a pessoa deixa de ser capaz de compreender a sua realidade à luz do juízo crítico partilhado por quem o rodeia e pode deixar de se reger pela razão e lógica, experimentando alucinações, delírios e pensamentos desorganizados. Durante um surto psicótico, a pessoa pode ter então uma perceção distorcida da realidade, ver ou ouvir coisas que não existem e acreditar em coisas que não são verdadeiras, fatores que podem levar a comportamentos estranhos, assustadores ou perigosos.

Em situações graves, pode evidenciar-se uma desorganização severa do comportamento, agressividade não motivada, comportamentos repetitivos sem finalidade aparente, alteração sustentada do ciclo sono-vigília, isolamento e desinteresse nas interações sociais ou negligência para os autocuidados (higiene/alimentação).

Notícias ao Minuto É fundadora da Academia Transformar© Filipa Jardim da Silva

Quais são as causas mais comuns?

A psicose está associada a fatores biológicos e hereditários mas é condicionada por reatividade a stress, consumos de drogas e dificuldades relacionais. 

Assim, os surtos psicóticos podem ser causados por uma variedade de fatores, incluindo stress intenso, trauma, doenças mentais como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e psicose secundária ao uso de substâncias psicoativas e quadros médicos não estritamente psiquiátricos como doenças autoimunes, neurodegenerativas, neoplásicas, entre outras.

Considerando os vários fatores que podem gerar um surto psicótico, o quadro carece de uma avaliação especializada e multidisciplinar, para se obter um diagnóstico preciso e se implementar o tratamento adequado.

É mais comum em adolescentes e adultos jovens, geralmente entre os 18 e 30 anos de idade

Está associado a algum histórico de saúde mental? Ou pode acontecer a qualquer um? Quais são os fatores de risco? 

Qualquer pessoa pode experimentar um surto psicótico, embora seja mais comum em pessoas que têm ou estão em risco de desenvolver doenças mentais como esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão psicótica. Fatores como stress intenso, trauma, uso de drogas psicoativas e certas condições médicas também podem aumentar o risco de um surto psicótico.

No entanto, é importante referir que nem todas as pessoas que experimentam esses fatores desenvolvem um surto psicótico, assim como muitas pessoas com doenças mentais nunca experimentam um surto psicótico nas suas vidas.

É algo que se manifesta em idades específicas? Ou é capaz de acontecer em qualquer altura?

Um surto psicótico pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum em adolescentes e adultos jovens, geralmente entre os 18 e 30 anos de idade. No entanto, em alguns casos, crianças e idosos também podem experimentar um surto psicótico.

A idade na qual uma pessoa experimenta um surto psicótico pode depender da causa subjacente do surto. Por exemplo, em casos de esquizofrenia, é mais comum que o surto psicótico ocorra pela primeira vez na adolescência ou no início da idade adulta. Já em casos de transtorno bipolar, os surtos psicóticos podem ocorrer em qualquer idade, mas geralmente ocorrem pela primeira vez entre os 15 e 30 anos de idade.

[Reações violentas] geralmente ocorrem quando a pessoa que está a ter o surto psicótico se sente ameaçada, com medo ou confusa, ou quando os seus delírios e alucinações a levam a acreditar que outras pessoas estão a tentar prejudicá-la

Reações violentas são comuns? Ou depende de cada um?

Embora a violência possa ocorrer durante um surto psicótico, em alguns casos, reações violentas não são comuns e nem sempre se verificam. É importante entender que a maioria das pessoas que experimentam um surto psicótico não são violentas e são mais propensas a isolar-se ou a afastar-se de outras pessoas do que a criar conflito.

No entanto, em alguns casos, um surto psicótico pode levar a comportamentos violentos, dirigidos ao próprio ou a terceiros. Isso geralmente ocorre quando a pessoa que está a ter o surto psicótico se sente ameaçada, com medo ou confusa, ou quando os seus delírios e alucinações a levam a acreditar que outras pessoas estão a tentar prejudicá-la. É importante reforçar que esse comportamento violento momentâneo é uma consequência da doença mental e não uma escolha consciente da pessoa afetada.

Banaliza-se atualmente o mal-estar, confundem-se sintomas de sofrimento emocional e doença psicológica com traços de caráter e feitio, atribuem-se comportamentos a contexto de vida, sem avaliação específica

Quais são os primeiros sinais de alerta que indicam que um surto deste género pode acontecer?  

Os primeiros sinais de alerta de um surto psicótico podem variar de pessoa para pessoa, mas alguns dos sintomas iniciais mais comuns incluem:

  1. Mudanças de humor: a pessoa pode apresentar mudanças abruptas de humor, irritabilidade, ansiedade, apatia ou depressão.
  2. Mudanças no comportamento: a pessoa pode começar a isolar-se, a ter dificuldade em realizar atividades diárias, apresentar dificuldade de concentração ou ter problemas de sono. 
  3. Pensamentos estranhos: a pessoa pode começar a ter pensamentos estranhos ou confusos, dificuldade em comunicar, falar de forma incoerente ou ter dificuldade em manter uma conversa.
  4. Alucinações: a pessoa pode começar a ver, ouvir ou sentir coisas que não existem, como vozes, imagens ou sensações de toque.
  5. Delírios: a pessoa pode começar a ter crenças falsas e infundadas, como acreditar que está a ser perseguida, que tem superpoderes ou que outras pessoas estão a conspirar contra ela.

Que tipo de ajuda se deve procurar? Requer acompanhamento permanente? 

Queixas a nível de saúde mental nunca devem ser ignoradas. Banaliza-se atualmente o mal-estar, confundem-se sintomas de sofrimento emocional e doença psicológica com traços de caráter e feitio, atribuem-se comportamentos a contexto de vida, sem avaliação específica. Isso gera uma enorme falta de acompanhamento e apoio profissionais. 

Assim, perante qualquer alteração persistente de comportamento, humor, apetite, sono ou padrão de pensamento é importante procurar ajuda profissional imediata. Em função do contexto, algumas opções de ajuda podem passar por: 

  1. Pedir ajuda médica de emergência: em casos graves, com alterações percetíveis severas, é necessário solicitar ajuda médica imediata, como ligar para o serviço de emergência ou ir para a urgência hospitalar mais próxima.
  2. Procurar um profissional de saúde mental: um psiquiatra ou psicólogo clínico pode avaliar os sintomas e fornecer um diagnóstico e tratamento apropriados. O profissional de saúde mental também pode fornecer orientações sobre como lidar com o surto psicótico e prevenir recaídas.
  3. Criar uma rede de suporte entre familiares e amigos, que podem ajudar a garantir a segurança e o bem-estar da pessoa afetada e dos outros à sua volta, fornecendo suporte emocional, monitorização próxima e garantindo o tratamento de saúde adequado.
  4. Participar em grupos de apoio: podem ser um recurso valioso para pessoas que vivem com doenças mentais e seus familiares/amigos, pois podem fornecer um ambiente de apoio e partilha de experiências entre pessoas que enfrentam situações semelhantes.

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Que condições permitem um diagnóstico rápido e atempado? É possível prevenir um evento deste género? Como?

Um diagnóstico atempado de um surto psicótico é crucial para garantir que a pessoa afetada receba tratamento e cuidados adequados, evitando consequências maiores para si e para outros. Alguns fatores que podem permitir um diagnóstico atempado incluem:

  1. Conscientização e prevenção: é importante sensibilizar a população em geral sobre sintomas de doença mental, nas quais se incluem um surto psicótico, e a relevância de não banalizar, ignorar, desvalorizar ou ocultar estes sintomas, procurando ajuda especializada. Complementarmente, é crucial promover-se a aquisição de competências pessoais e emocionais junto de toda a população, para que crianças, jovens e adultos estejam mais capacitados de regular situações de vida desafiantes, gerir de forma mais adaptativa as suas emoções e garantir melhores níveis de autoconhecimento e auto-observação, que permitam pedir ajuda no momento necessário e de forma preventiva.
  2. Acessibilidade dos cuidados de saúde mental: enquanto os profissionais de saúde mental, nomeadamente médicos psiquiatras e pedopsiquiatras e psicólogos clínicos especializados em psicologia clínica e da saúde estiverem presentes num número insuficiente nos serviços de saúde pública, nas organizações e associações, nas escolas e universidades, tendencialmente o acesso a estes profissionais não será democratizado e sobretudo ficará reservado para momentos de crise, anulando-se assim a perspetiva preventiva de check-up e intervenção atempada.
  3. Conhecer os sintomas. Quando notamos mudanças significativas no nosso comportamento ou no comportamento de alguém que nos rodeia, como isolamento, dificuldade em realizar tarefas diárias, dificuldades de comunicação, alterações de humor, pensamentos estranhos e rigidificação do pensamento, é importante pedirmos ajuda junto de um profissional especializado.

Quais são, no geral, as consequências de um surto psicótico? 

Um surto psicótico pode ter consequências significativas na vida da pessoa afetada, incluindo:

  • Dificuldades no trabalho ou na escola: um surto psicótico pode afetar a capacidade da pessoa de realizar tarefas diárias e manter rotinas na comunidade;
  • Problemas de relacionamento: mudanças no comportamento e pensamento durante um surto psicótico podem afetar relacionamentos interpessoais, tornando mais difícil para a pessoa comunicar e se conectar com os outros, pelo que as responsabilidades parentais também ficarão impactadas, em que em algumas situações deixam de existir condições de se confiar crianças a este adulto;
  • Prejuízo financeiro: um surto psicótico pode levar a dificuldades financeiras, especialmente se a pessoa afetada for incapaz de trabalhar ou administrar as suas finanças adequadamente;
  • Auto-prejuízo: pessoas com surto psicótico podem ter pensamentos e comportamentos suicidas e, portanto, correm o risco de causar danos a si próprios;
  • Comportamento perigoso: durante um surto psicótico, a pessoa afetada pode se comportar de maneira imprevisível e pode representar um risco para a segurança de outras pessoas.
  • Consequências judiciais: no âmbito dos comportamentos adquiridos durante o surto psicótico pode decorrer penalizações a nível legal, se a conduta apresentada violar os direitos de outros e os deveres do próprio;
  • Internamento hospitalar: em casos graves, um surto psicótico pode levar a um internamento compulsivo para garantir a segurança da pessoa afetada e das pessoas ao seu redor;

Em resumo, um surto psicótico pode ter uma série de consequências negativas na vida da pessoa afetada, pelo que é fundamental garantir-se um apoio especializado adequado.

O que se deve fazer para ajudar alguém no momento do surto psicótico? E depois?

Ajudar alguém durante um surto psicótico pode ser um desafio, mas existem algumas coisas que podem ser feitas para ajudar a pessoa afetada e não piorar a situação:

  1. Manter a calma e uma presença de qualidade: é importante falar tranquilamente, diminuir a velocidade dos movimentos corporais e o tom de voz, para ajudar a pessoa afetada a sentir-se mais segura e a reduzir a ansiedade.
  2. Comunicação clara e empática: ajuda usar uma linguagem simples, frases curtas, sem julgamento ou ridicularização da pessoa afetada. É importante que a pessoa se sinta apoiada e segura, o que diminui a sua reatividade.
  3. Pedir ajuda. De forma mais óbvia ou mais discreta, considerando a situação, é fundamental pedir-se apoio junto do 112, para que se tenha suporte a lidar com a pessoa afetada e se encaminhe para uma unidade de saúde.

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