Luca Re Sartù, um dos milhares de peregrinos que participaram na Jornada Mundial da Juventude, morreu a 11 de agosto depois de regressar a casa, em Itália. O jovem de 24 anos sofreu uma paragem cardíaca. Os médicos italianos suspeitam que Luca terá contraído, em Lisboa, uma bactéria multirresistente chamada Staphylococcus, mas só o resultado da autópsia determinará a causa do óbito.
Ao Lifestyle ao Minuto, Ana Isabel Pedroso, assistente hospitalar de Medicina Interna e de Medicina Intensiva do Grupo Lusíadas, defende que "não há motivo para alarme". Todavia, considera que a situação espelha a necessidade da "promoção de saúde e literacia acerca da utilização de antibióticos".
© Ana Isabel Pedroso
Por ano, as bactérias multirresistentes são responsáveis por cerca de 1.160 mortes em Portugal, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Em todo o mundo, estima-se que um quinto das infeções hospitalares sejam provocadas por este tipo de bactérias.
Leia Também: Funeral de italiano que morreu após JMJ é amanhã. Autópsia já foi feita
Há motivo de preocupação?
Não há motivo para alarme. Esta bactéria não é nova. Aliás, já é conhecida da comunidade cientifica há largos anos. O motivo de alarme é o nível de resistências das bactérias no geral aos antibióticos. Embora a indústria farmacêutica esteja em constante construção de novos antibióticos, nem sempre existem.
O que são as bactérias estafilococos, como a Staphylococcus?
São bactérias do grupo gram+, que têm um formato redondo. Costumam aglomerar-se em forma de cacho de uva e infetar os seres humanos.
A transmissão pelas mãos é comum, porém também é possível através do ar, daí ser tão importante a assepsia geral e a lavagem das mãos
Ou seja, são bactérias que convivem diariamente connosco?
Sim. Elas existem naturalmente na pele e nas mucosas, não causando infeção quando estão em harmonia e equilíbrio com o nosso corpo. Existem geralmente transitoriamente, nas narinas anteriores em cerca de 30% dos adultos saudáveis e na pele de cerca de 20%.
Como é que se transmitem?
Doentes predispostos podem adquirir estafilococos resistentes de outros doentes, de funcionários de hospitais ou de objetos do hospital. A transmissão pelas mãos é comum, porém também é possível através do ar, daí ser tão importante a assepsia geral e a lavagem das mãos.
Essa é, essencialmente, a melhor forma de prevenir a transmissão destas bactérias?
Sim. Lavar as mãos e mantendo os locais limpos, principalmente se estivermos perante doentes.
Leia Também: Italiano morre após participar na JMJ em Lisboa. Jovem contraiu infeção
Estas bactérias podem ter consequências graves?
Todas as infeções podem ter desfechos mais graves. Estas bactérias podem causar infeções da pele, como abcessos, mas também pneumonia, endocardite, osteomielite e até síndrome do choque tóxico.
Quais os fatores de risco e quem são as pessoas predispostas a infeções estafilocócicas?
Falamos de recém-nascidos e mães que amamentam, doentes com patologias crónicas respiratórias, doentes oncológicos, com doenças cutâneas crônicas e diabéticos, pacientes transplantados e aqueles que têm devices, que fazem corticoterapia, irradiação, imunossupressores ou quimioterapia, utilizadores de drogas injetáveis, pacientes com doença renal crónica sob diálise, com incisões cirúrgicas, feridas abertas ou queimaduras.
A evolução da bactéria é rápida? Quando é que devemos procurar assistência médica?
Depende do estado do sistema imunitário. Devemos sempre procurar assistência médica perante sinais e sintomas que reflitam doença, neste caso infeciosa. A febre, mal estar geral, alteração do estado de consciência, diminuição do debito urinário e alteração da cor da pele devem merecer atenção.
Qual o tratamento?
O tratamento de infeções bacterianas é feito através da toma de antibióticos prescritos de acordo com a bactéria específica. Quanto mais dirigido for o tratamento mais eficaz e seguro será.
Quanto mais correta for o uso de antibióticos, menos resistências vão existir
E num caso de infeção grave?
O risco é de desenvolver sépsis, em que existe disfunção de órgão associada à infeção. A desregulação da resposta inflamatória é de tal ordem que condiciona disfunção de um ou vários órgãos, sendo que quando falamos do sistema cardiovascular estamos perante um choque séptico, que tem uma taxa de mortalidade elevada.
Leia Também: Colombiana perde as duas pernas após contrair infeção em Portugal
Quais os estafilococos resistentes mais comuns?
Muitas destas bactérias produzem penicilinase, uma enzima que inativa vários antibióticos betalactâmicos, como a penicilina ou a amoxicilina. Elas são muitas vezes sensíveis às penicilinas penicilinase-resistentes (meticilina, oxacilina, nafcilina, cloxacilina, dicloxacilina), falando especificamente do Staphylococcus aureus, este é o MSSA, ou seja meticiclina sensível. Em termos hospitalares, onde é mais comum a bactéria resistente, existe o que chamamos de MRSA: Staphylococus aureus meticiclina resistente. Estes são resistentes a todos os antibióticos betalactâmicos, incluindo cefalosporinas e carbapenemos (de largo espetro). A vancomicina é eficaz contra a maioria das infeções por MRSA (é o mais utilizado).
O que pode ser feito pelas autoridades sanitárias?
Promoção de saúde e literacia acerca da utilização de antibióticos. Quanto mais correta for o uso de antibióticos, menos resistências vão existir. Devemos apenas tomar antibiótico quando é prescrito, da forma correta e com a duração devida. É essencial.
Leia Também: Locais da casa que acumulam mais bactérias do que muitos pensam