Após petição pública sobre stealthing, falámos com um especialista

O Lifestyle ao Minuto foi ouvir as explicações do psicólogo clínico e sexólogo Fernando Mesquita sobre stealthing. O especialista defende uma alteração na lei para permitir a criminalização do ato de remoção do preservativo durante uma relação sexual sem o conhecimento ou consentimento do parceiro.

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Ana Rita Rebelo
29/11/2024 11:39 ‧ há 3 horas por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

Era o elefante no meio da sala no universo do jazz em Portugal. Contudo, no início do mês, a polémica estalou na sequência de uma denúncia de violação feita pela DJ Liliana Cunha (conhecida como Tágide), contra o pianista João Pedro Coelho, que reclama inocência. Desde então, gerou-se uma onda de relatos de assédio sexual no meio artístico português e uma petição pública, que pede uma alteração legislativa para que o stealthing (ato de remover o preservativo durante uma relação sexual sem o conhecimento ou consentimento do parceiro) seja criminalizado - esta superou as 7.500 assinaturas necessárias para ser debatida em plenário na Assembleia da República. 

 

As opiniões divergem. Do lado dos especialistas, o psicólogo clínico e sexólogo Fernando Mesquita avisa que a falta de legislação "pode criar um sentimento de impunidade" em quem pratica stealthing. O especialista não tem dúvidas de que "a prevenção deste tipo de comportamento requer um esforço combinado de educação, comunicação e políticas públicas eficazes".

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Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, o especialista chega mesmo a admitir que, "embora se verifiquem alguns progressos nas últimas décadas, muitos portugueses ainda não têm conhecimento suficiente sobre temas tão diversos como consentimento, saúde sexual, relações saudáveis e diversidade sexual". Defende, por isso, "uma educação sexual que transmita de forma clara as noções de consentimento e que práticas como o stealthing são formas de agressão sexual".

Notícias ao Minuto © Fernando Mesquita, psicólogo clínico e sexólogo

O que é o stealthing?

Trata-se de uma prática não consensual em que uma pessoa remove ou danifica deliberadamente o preservativo durante a relação sexual. Isto sem o consentimento da outra pessoa. 

O respeito pelo consentimento é fundamental para relações saudáveis e respeitosas

Numa relação, o consentimento pode ser dado como garantido?

Numa relação sexual, o consentimento é um processo contínuo. Consentimento é o acordo livre, informado e contínuo entre todas as partes envolvidas, dado de forma voluntária, sem pressão, coerção ou manipulação. A sua validade limita-se a uma situação ou ato específico e pode ser reversível a qualquer momento, com comunicação explícita à outra parte. O respeito pelo consentimento é fundamental para relações saudáveis e respeitosas.

Stealthing pode ser considerado uma violação?

É uma violação da confiança, da integridade física e da autonomia sexual da vítima. Existe a quebra de um acordo prévio - no caso, o uso de preservativo - sem conhecimento da vítima. Ou seja, uma relação que inicialmente era consensual torna-se num ato de natureza não consensual, pois existe a violação de um acordo. 

Que consequências pode ter para a saúde?

As consequências do stealthing podem ser graves tanto fisicamente quanto psicologicamente. Do ponto de vista físico, pode aumentar o risco de gravidez não desejada e a transmissão de infeções sexualmente transmissíveis Psicologicamente, a vítima pode manifestar sentimentos de 'violação', medo, raiva e trauma emocional.

Como é que as vítimas devem proceder?

É muito importante que façam análises às infeções sexualmente transmissíveis e, em caso de fertilidade, tomar a pílula de emergência. Além disso, mesmo quando existe algum tipo de ligação afetiva com o violador, é importante ir ao serviço de urgências solicitar a profilaxia pós-exposição, pois o HIV só é detetável após alguns meses e não é possível saber se este comportamento não foi repetido com outras pessoas.

Procurar ajuda psicológica deve ser prioridade?

Sem dúvida. As vítimas podem desenvolver condições de saúde mental, como depressão, ansiedade e stress pós-traumático. Em alguns casos, esta experiência pode levar à aversão ou fobia de intimidade, prejudicando novas relações sexuais. Além disso, são comuns sentimentos de culpa, vergonha, perda de confiança e isolamento. É importante trabalhar tudo isso em contexto psicoterapêutico.

Leia Também: Escândalo na música. 85 denúncias, entre as quais violações de menores

Considera que os portugueses têm literacia sexual?

Embora se verifiquem alguns progressos nas últimas décadas, muitos portugueses ainda não têm conhecimento suficiente sobre temas tão diversos como consentimento, saúde sexual, relações saudáveis e diversidade sexual. 

O uso do preservativo é visto por algumas pessoas como um sinal de fraqueza ou como algo que diminui o prazer

Com base no que nos diz, poderá dar-se o caso de muitas vítimas não saberem que o são? 

Sim. Mas o facto deste assunto ser discutido em vários órgãos de comunicação, a possibilidade de existir uma legislação adequada e uma educação sexual eficaz são fundamentais que as vítimas tenham conhecimento deste tipo de ocorrências, de que forma se podem proteger e o que fazer nestes casos.

A conhecida resistência ao uso do preservativo é parte do problema?

O uso do preservativo é visto por algumas pessoas como um sinal de fraqueza ou como algo que diminui o prazer. Porém, nem todas as pessoas com este tipo de crenças pratica stealthing, assim como nem sempre este é o principal motivo para este comportamento. Alguns homens praticam stealthing como forma de afirmar domínio sobre outra pessoa. O facto de não existir legislação pode criar um sentimento de impunidade nestas pessoas.

Como educar para que casos destes não aconteçam?

A prevenção deste tipo de comportamento requer um esforço combinado de educação, comunicação e políticas públicas eficazes, ou seja, legislação. É essencial uma educação sexual que transmita de forma clara as noções de consentimento e que práticas como o stealthing são formas de agressão sexual.

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Serviços telefónicos de apoio em Portugal

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (entre as oito e as 22 horas em dias utéis) - 116 006 (número gratuito) - 213 587 900

Linha Telefónica de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (24 horas por dia, sete dias por semana) - 800 202 148 (número gratuito)

Aconselhamento psicológico no SNS 24 (24 horas por dia, sete dias por semana) -  808 242 424 (número gratuito)

SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) -  213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660

Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159

SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545

Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707

Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. 

Leia Também: Petição pública pede que 'stealthing' seja crime sexual em Portugal

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