Fez-se história em Singapura, mas há mais História por fazer
As dúvidas foram muitas, mas Donald Trump e Kim Jong-un cumpriram o prometido e reuniram-se mesmo. Para a história ficou desde logo a fotografia de um aperto de mão que já corre mundo. Mas havia mais História por fazer.
© Reuters
Mundo Cimeira
Foi coreografia diplomática. E bem executada para todo o mundo ver. Kim Jong-un e Donald Trump reuniram-se pela primeira vez com a promessa de fazer história, com um mundo inteiro a olhar atento. E foi isso mesmo que nos deram: coreografia diplomática, como atestam as várias imagens que documentam o encontro.
Os primeiros detalhes do acordo firmado pelos dois líderes dão conta da intenção de Pyongyang abandonar o seu programa nuclear, rumo, portanto, à desnuclearização total, ao passo que os Estados Unidos pretendem garantir a proteção do regime de Kim Jong-un.
Falámos de história no primeiro parágrafo e teremos de continuar exercício idêntico nos seguintes. Aliás, foi o próprio Trump a afirmar, em conferência de imprensa após a cimeira: "Preparamo-nos para escrever um novo capítulo entre as duas nações".
Pouco antes, os dois líderes, sentados lado a lado, assinavam, reiteramos, um documento que Trump descreveu como “histórico” e “abrangente”, enquanto Kim realçou que agora é o momento de “deixar o passado para trás”. Sim, é de história que se trata, apesar de ainda haver muito por desvendar, desde as palavras que pontuam o documento, à forma como se passa das palavras aos atos.
Ainda não é conhecido o conteúdo oficial do documento mas o final da cimeira trouxe-nos agradecimentos mútuos e palavras que apontam para um compromisso para uma relação pacífica. Os aplausos preencheram a sala à medida que os dois líderes saíam de cena.
Das expectativas elevadas, às que foram superadas
Ainda antes das primeiras palavras trocadas a dois, e perante as elevadas expectativas que o momento suscitava, tivemos direito a uma imagem que fez, mais uma vez, história: o Presidente dos Estados Unidos e o líder da Coreia do Norte deram um aperto de mão, perante as câmaras, e com as bandeiras dos dois países como pano de fundo.
Os dois líderes políticos tidos como imprevisíveis quiseram desde cedo mostrar sinais de aproximação. Afinal de contas, não era pequeno o tema em cima da mesa. Não era apenas a desnuclearização que seria discutida. Como pano de fundo havia todo um processo de paz à espera de acontecer. Antes de a cimeira terminar, Trump dava a entender que tinha “corrido melhor do que o esperado”. Palavras que repetiu orgulhoso no final.
A longa caminhada até Singapura
Há apenas meio ano, o que hoje aconteceu em Singapura era impensável. Chegou-se, aliás, a temer o pior.
Durante meses, houve sanções a colocar a Coreia do Norte sob pressão e trocas de ‘galhardetes’ entre Kim e Trump que incluíram até ameaças nucleares. Por momentos, o mundo chegou a suster a respiração. Mas 2018, mesmo com avanços e recuos até chegarmos aqui, trazia-nos já alguns sinais positivos.
Kim Jong-un já tinha dado sinais de que era capaz de agir de forma diferente, comparativamente com o seu pai e avô, que o antecederam no cargo. Mas foi só com os Jogos Olímpicos na vizinha Coreia do Sul, em fevereiro, que percebemos que havia algo a mudar.
As duas Coreias – que nunca terminaram formalmente a guerra na península – chegaram a ter uma equipa conjunta na competição. E a aproximação manteve-se até abril, altura de outra cimeira histórica, esta juntando os líderes das duas Coreias.
Não há como negá-lo: sobram incertezas sobre qualquer acordo com um regime fechado sobre si mesmo, com décadas de história de repressão violenta contra os dissidentes. Ainda no ano passado o regime foi suspeito do assassinato do irmão de Kim Jong-un.
Ainda assim, o líder da Coreia do Norte parece capaz de marcar desde já algumas diferenças no seu país. E não falamos apenas do que mostrou para o mundo. Na Coreia do Norte, onde a informação é controlada ao detalhe, não costuma haver grandes informações sobre encontros ainda a decorrer. Mas a imprensa estatal publicava hoje, ainda antes da cimeira, imagens do curioso passeio turístico que o líder deu em Singapura.
Com tudo o que separa os dois países – e os respetivos líderes – havia aqui algo em comum: a importância de uma vitória para mostrar aos seus.
Do outro lado da mesa ia estar um autoproclamado mestre da negociação. Que Trump tinha historial com negócios nas suas empresas, ninguém o negava. Mas o desafio agora era outro: conseguir, no tabuleiro da geopolítica mundial, algo que nenhum líder norte-americano conseguira antes dele: um compromisso com a Coreia do Norte.
É aqui que surge o documento assinado em conjunto: a coreografia diplomática não é composta apenas pelos estudados passos do protocolo. Faz-se também dos resultados que há para mostrar. E Kim e Trump fizeram por isso.
A cimeira que fica para a história
Após o aperto de mão, a cimeira prosseguiu com uma primeira reunião: durante cerca de 45 minutos, Kim e Trump falaram a sós, contando apenas com a companhia de tradutores.
Terminada esta fase, a mesa manteve-se mas ficou mais composta com elementos de ambas as comitivas a juntarem-se. A reunião prosseguiu até à hora de almoço, hora essa que não foi de pausa mas de almoço de trabalho.
No final da refeição, e repetindo o que já estava a ser histórico, Kim e Trump surgiram em caminhada juntos, reforçando que queriam tirar algo positivo deste encontro.
Trump, habituado à imprensa e vindo de uma cimeira do G7 onde ficou isolado, com críticas claras de líderes de países aliados, como Angela Merkel e Justin Trudeau, não queria deixar escapar esta oportunidade. E não deixou. Esta cimeira é já o ponto alto do seu ano e meio de presidência.
Sentados lado a lado, os dois líderes assinaram o tal documento histórico. Falta agora saber como é que a história, ainda com ‘h’ pequeno, se torna História. História de paz. Uma barreira fortemente vigiada mantém há décadas as duas Coreias divididas sob o olhar atento das forças armadas norte-americanas.
Essa linha de separação ainda lá está e não mudou um milímetro. Mas parece claramente mais pequena quando olhada após o final desta cimeira.
Os dois líderes têm agora novos passos a dar no sentido da paz. E é bem possível que Trump esteja já a preparar-se para nova coreografia diplomática. Uma que terá como palco Washington.
No final da conferência, e já com os líderes de saída, uma pergunta chegou até Trump: “Vai convidar Kim para a Casa Branca?”. “Absolutamente”, respondeu Trump. A história (ou será História?) segue dentro de momentos.
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