"Ninguém estava à espera que o muro de Berlim caísse naquele dia", afirmou à Lusa o professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Miguel Monjardino, defendendo que o episódio que tanto marcou a História contemporânea chama a atenção "para o papel do acaso nos acontecimentos" e para "o papel das pessoas anónimas".
No dia 09 de novembro, pelo início da noite em Berlim, o porta-voz do partido comunista da Alemanha de Leste, Günter Schabowski, passou no gabinete do dirigente Egon Kenz - que estava há pouco mais de um mês na liderança da RDA - para saber se havia novidades. Havia.
A "lei da mobilidade" visava abrir as portas da Alemanha de Leste ao Ocidente, mas de forma moderada e muito restrita, para que, segundo o analista político, a Alemanha ajudasse a Rússia, do ponto de vista financeiro e tecnológico, a modernizar-se.
"Egon Kenz dá-lhe duas folhas com as novas regras para os alemães de leste poderem vir à Europa, mas o Schabowski não sabia bem o que estava ali", contou Miguel Monjardino, lembrando que a conferência de imprensa foi longa e cansativa e, mesmo no fim, um jornalista perguntou quando é que a lei da mobilidade entrava em vigor.
"Schabowski não sabia, mas como estava exausto e confuso, deu aquela célebre resposta: 'imediatamente'". Um acaso que o analista político considera ter sido o gatilho que mudou tudo.
"Imagine que o Schabowski não tinha passado no gabinete de Kenz naquela noite. O mais natural é que o muro de Berlim não tivesse caído nesse dia e, se calhar, nem na semana seguinte. Portanto, foi uma sucessão de acontecimentos perfeitamente surpreendente que precipitou as coisas", defendeu.
Nesse dia, o muro caiu. "As pessoas aproximaram-se, os guardas não tinham instruções e, na dúvida, olhe, pronto, foi", resumiu.
"Foi a pior noite da minha vida", disse Egon Krenz no ano passado, em entrevista à BBC.
Atualmente com 83 anos, o ex-líder da RDA garante que entende o conceito de "celebração" criado pelo Ocidente, mas lembra que o episódio podia ter acabado muito mal.
"Num momento tão carregado de emoção como aquele, se alguém tivesse sido morto naquela noite, poderíamos ter sido engolidos por um conflito militar entre grandes potências", referiu.
O facto de a queda do muro de Berlim, que dividia a cidade, o país, mas também a Europa e mesmo o mundo - ter acontecido de forma pacífica é também um ponto referido à Lusa por Patrícia Daehnhardt, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).
"Este elemento de transição de uma ordem internacional através de meios pacíficos, não bélicos, foi talvez aquele que representou a maior mudança", defendeu.
Para esta especialista, a mudança não foi tão inesperada assim. Apesar da surpresa causada pela resposta Günter Schabowski durante a conferência de imprensa de 09 de novembro, "em fins de junho, julho e agosto (...) já estávamos perante mudanças significativas na RDA, na Checoslováquia, na Hungria e na Polónia".
"Acho que o verão de 1989 foi um verão quente no sentido de que em vários pontos da Europa de Leste as coisas estavam a ferver, as pessoas estavam a ir para a rua, estavam a reclamar para si o direito de autodeterminação", considera a investigadora.
Para Patrícia Daehnhardt, a verdadeira surpresa "foi a forma como o processo político-diplomático para a unificação depois decorreu, porque, em menos de 12 meses deu-se a unificação efetiva de dois Estados até então divididos".
A queda do muro de Berlim abriu "um ciclo extraordinário de concertação diplomática entre o Presidente dos EUA, George Bush (pai), Mickail Gorbatchov, secretário-geral do partido comunista da URSS, e Helmut Kohl, chanceler alemão", reforçou Carlos Gaspar, membro da direção do IPRI.
Uma concertação que só foi possível "pelo facto de a URSS estar numa fase de retraimento e de reforma interna e de haver uma forte preponderância política, diplomática e mesmo militar dos EUA naquela conjuntura", explica.