É necessário "reconstruir a alma do povo" vítima do Boko Haram

O padre católico nigeriano Gideon Obasogie considera que o regresso de alguma tranquilidade e paz ao nordeste da Nigéria, onde o Boko Haram atuou no últimos cinco anos, abre a possibilidade de "reconstruir-se a alma do povo".

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Lusa
03/11/2019 10:42 ‧ 03/11/2019 por Lusa

Mundo

Nigéria

A igreja católica "está na fase de reconstruir, não apenas as estruturas destruídas pelo terrorismo, mas sobretudo as almas, as vidas, do povo" do estado de Borno, no nordeste da Nigéria, afirmou à Lusa, Gideon Obasogie, padre católico com 36 anos, nascido na diocese onde exerce o sacerdócio, Maiduguri, a capital do estado.

"Ouvimos a comunidade internacional dizer de que temos que dar o nosso melhor, mas o melhor não é construir casas ou mercados, é construir a paz. As pessoas precisam de se sentir seguras. Se as pessoas se sentirem seguras, construirão seja o que for, ainda que seja a partir das ruínas", acrescentou Obasogie, que esteve em Lisboa no âmbito da apresentação do estudo "Perseguidos e Esquecidos? Relatório sobre os Cristãos oprimidos por causa da sua fé 2017-19", um estudo da Fundação AIS - uma organização pública dependente da Santa Sé, que apoia projetos de cunho pastoral em países onde a Igreja Católica está em dificuldades.

Cinco anos de terrorismo do grupo extremista islâmico Boko Haram, deixaram uma herança pesada à diocese de Maiduguri. Oliver Dashe Doeme, o seu bispo, tem ao cuidado "mais de 15 mil órfãos e cerca de 5 mil viúvas, na sua maioria de maridos que foram mortos pelos terroristas. São alimentados, recebem tratamento de saúde, roupa, as crianças vão à escola. Tudo isto está sob a responsabilidade do bispo, que tem sido muito ajudado pela AIS", ilustra o padre Gideon.

Talvez por a paz ser um bem "recente e ainda muito instável", as pessoas "continuam a viver com muito medo, sobretudo nas regiões mais próximas da floresta de Sambisa", a uma meia centena de quilómetros a sudeste de Maiduguri, onde o Boko Haram se refugiou em fuga à contraofensiva da Força de Intervenção Conjunta (JTF, na sigla em inglês, composta por militares do Benim, Camarões, Chade, Níger e Nigéria), sobretudo a partir de 2016/17.

"No centro de Maiduguri e arredores temos uma paz relativa, por comparação com 2014. Mas muitas pessoas sentem que ainda não podem regressar às suas comunidades. Essa é a realidade, ainda que haja também muitas comunidades que começam a restabelecer-se, com as pessoas que estão a regressar e a refazer as suas vidas, como na zona de Damboa, a sul de Maiduguri, onde há já muitas casas reconstruídas, mercados e tudo o mais", disse.

A violência jihadista contra os cristãos tem-se mantido "em níveis críticos", de acordo com o relatório da AIS. A Nigéria é o país do mundo com o registo de mais cristãos mortos nos últimos anos. Há "relatos de 3.731 cristãos mortos em 2018", sublinha a fundação.

"Por vezes sentimos esse medo" de colocar as vestes e o colar de sacerdote, diz Gideon Obasogie, que em seguida dá o exemplo do seu superior: "O bispo Oliver Dashe Doeme anda sempre vestido com as vestes brancas com os botões vermelhos, que significam a prontidão para o martírio. Ele diz que está sempre pronto".

"Precisamos que o mundo saiba o que está a acontecer, a União Europeia, as Nações Unidas... Precisamos que saibam que as perseguições com base na religião não são restritas a cristão ou muçulmanos. Tem que haver liberdade para as práticas religiosas. As pessoas não deviam ser perseguidas por causa da religião. Deviam poder ter paz, sendo que a paz não é apenas a ausência de guerra, é também a certeza da justiça", afirmou Gideon Obasogie.

 

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