"O momento esperado e muito desejado aconteceu. A morna é, a partir de hoje, Património Imaterial da Humanidade", afirmou Ulisses Correia e Silva, rodeado de mais duas dezenas de músicos, compositores e instrumentistas que, no Palácio do Governo, na Praia, acompanharam através da Internet a proclamação da UNESCO, na Colômbia.
A morna, género musical típico de Cabo Verde, foi proclamada hoje Património Imaterial Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla inglesa).
"É um dia particularmente feliz, em que nós todos devemos estar felizes de ter nascido cabo-verdianos", afirmou o chefe do Governo, já depois da festa do anúncio e antes de um improvisado concerto de mornas no Palácio do Governo, com os artistas.
A decisão final sobre a ratificação da classificação, que já tinha recebido o aval da comissão de peritos em novembro, foi tomada hoje, durante a 14.ª reunião anual do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, que decorre desde segunda-feira no Centro de Congressos Agora, em Bogotá, Colômbia.
A classificação, recordou o primeiro-ministro, impõe a Cabo Verde, a partir de agora, "maiores responsabilidades": "Na preservação, na salvaguarda, na valorização e promoção da morna em Cabo Verde, junto da nossa diáspora e no mundo".
Garantiu, por isso, que "Cabo Verde irá cumprir e honrar com a UNESCO o reconhecimento da morna como património de toda a humanidade".
Ulisses Correia e Silva assegurou que o Orçamento do Estado para 2020 já conta com verbas para "o início da implementação do plano de salvaguarda que foi aprovado no conjunto do dossiê desta candidatura" e que o Instituto do Património Cultural já tem competências "reforçadas" no processo de preservação.
Considerada popularmente "música rainha" de Cabo Verde, o dossiê da sua candidatura a Património Imaterial Cultural da UNESCO, com mais de 1.000 páginas e cerca de 300 entrevistas, foi formalmente entregue pelo Governo cabo-verdiano em 26 de março de 2018.
Visivelmente emocionado, numa intervenção feita pouco minutos do anúncio da proclamação pela UNESCO, o primeiro-ministro agradeceu o apoio, nesta candidatura, dos "amigos de Cabo Verde", como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Mas sobretudo dos músicos, compositores e instrumentistas, das várias gerações, no país e na diáspora.
"Fizeram e fazem com que o cabo-verdiano seja um povo privilegiado por Deus, pela sua música e pela sua morna", afirmou.
Com esta classificação, exortou ainda ao aproveitamento cultural e económico da decisão: "Particularmente o turismo, que passará a partir de hoje a ter a marca indelével da expressão mais genuína deste povo crioulo com mais de cinco séculos e meio de história: a morna", sublinhou.
Para Ulisses Correia e Silva, a decisão tomada pela UNESCO é também uma "grande oportunidade para o setor empresarial da música nacional".
"Novas carreiras, novos palcos, novas agendas se abrem com esta nova oportunidade", apontou.
O governante apelou: "Não deixem morrer o folclore da nossa terra. Por onde vocês forem cantem com veneração. Cantem na partida, cantem no regresso. Morna ontem, hoje e sempre".
De acordo com o dossiê da candidatura, a morna terá surgido no século XIX, não sendo consensual a origem do nome e ilha onde nasceu: Boa Vista ou Brava.
Marcada pelas letras do poeta Eugénio Tavares (ilha da Brava, 1867 -- 1930) e mais de tarde de Francisco Xavier da Cruz ou 'B.Léza' (ilha de São Vicente, 1905 -- 1958), a morna conheceu o seu expoente maior fora de Cabo Verde através da cantora César Évora (1941 -- 2011), que através daquele género musical abriu as portas do mundo a um país de pouco mais de meio milhão de habitantes.
A morna surge de uma mistura de estilos musicais com fortes raízes africanas, o landum, com as influências da modinha luso-brasileira, recorda o dossiê de candidatura.