Numa intervenção no Parlamento Europeu - num hemiciclo praticamente vazio, dado a grande maioria dos eurodeputados seguirem a sessão plenária de hoje remotamente desde os seus Estados-membros -, Ursula von der Leyen não poupou críticas à reação inicial de muitos países face à chegada da pandemia ao solo europeu e advertiu que os cidadãos e a própria História estão a "observar" o comportamento dos líderes, que a seguir terão de decidir que União querem, no pós-pandemia.
Von der Leyen começou por lembrar a forma súbita "como a vida mudou", apontando que, "num abrir e fechar de olhos, um vírus que surge no outro lado do mundo torna-se uma pandemia mortífera com consequências trágicas, também na Europa".
"De um dia para o outro, as nossas formas de vida mudaram. As nossas ruas esvaziaram-se. As nossas portas fecharam-se. E passámos da rotina quotidiana ao combate da nossa vida. Durante este período, assistimos a uma tragédia no coração da Europa de uma amplitude inimaginável há algumas semanas", apontou.
Insistindo repetidamente que esta é uma crise perante a qual "apenas ajudando-nos uns aos outros podemos ajudar-nos a nós próprios", a presidente do executivo comunitário notou então que, no entanto, "a história das últimas semanas é parcialmente dolorosa de contar".
"Quando a Europa realmente precisou que olhássemos uns pelos outros, muitos inicialmente olharam apenas por si próprios. Quando a Europa realmente precisou de um espírito 'todos por um', muitos inicialmente deram uma resposta 'apenas por mim'. E quando a Europa realmente precisou de provar que esta não é uma 'União para o bom tempo', muitos inicialmente recusaram-se a partilhar o seu guarda-chuva", acusou.
A presidente da Comissão realçou que "uma crise sem fronteiras não pode ser resolvida colocando barreiras", mas, "ainda assim, esse foi precisamente o primeiro reflexo que muitos países europeus tiveram".
"Isto simplesmente não faz sentido, e contradiz fundamentalmente o espírito europeu. A livre circulação de bens e serviços é o nosso ativo mais forte e, muito francamente, o nosso único ativo para garantir que os fornecimentos podem chegar aonde são mais necessários. Não faz sentido que alguns países tenham decidido unilateralmente travar as exportações para outros no mercado interno", prosseguiu, acrescentando que "foi por isso que a Comissão interveio quando alguns países bloquearam exportações de equipamento de proteção para Itália".
Notando que "não foi preciso muito tempo até que alguns sentissem as consequências das suas próprias ações descoordenadas", Von der Leyen sublinhou que foi por isso que, infelizmente, a Comissão se viu forçada a intervir.
"Ao longo das últimas semanas tomámos medidas excecionais e extraordinárias para coordenar e tornar possível a ação que era necessária", disse.
"Desde então, as coisas têm melhorado e os Estados-membros estão a começar a ajudar-se uns aos outros, e a si próprios", acrescentou, sem no entanto baixar o tom das suas advertências.
Segundo Von der Leyen, quando "os pais e mães fundadores" do projeto europeu partiram das cinzas da II Guerra Mundial para criar uma união de povos e nações, "o seu objetivo era forjar uma aliança na qual a força mútua nascia da confiança mútua", e "hoje, face a um inimigo invisível, esses valores fundamentais da União são postos à prova".
"Neste momento, o nosso primeiro dever e prioridade é salvar vidas e proteger os meios de subsistência dos europeus. Mas chegará o dia -- espero que num futuro não muito longínquo -, em que devemos olhar para o futuro e moldar em conjunto a recuperação. Devemos retirar lições e decidir que tipo de União Europeia queremos no futuro. Meus amigos, a História observa-nos. Façamos juntos a boa escolha, com um grande coração, e não com 27 pequenos", concluiu.
O debate de hoje no Parlamento Europeu ocorre horas antes de uma nova cimeira de chefes de Estado e de Governo da UE, por videoconferência, na qual os 27 vão prosseguir as discussões sobre as respostas à crise provocada pela pandemia, cujo epicentro atual é a Europa.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou perto de 450 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 20.000.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
O continente europeu, com cerca de 240.000 infetados, é aquele onde está a surgir atualmente o maior número de casos, e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais, com 7.503 mortos em 74.386 casos registados até hoje, seguida de Espanha, com 3.434 óbitos entre 47.610 casos de infeção.