O aviso foi deixado hoje, mais uma vez, pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, numa entrevista ao jornal espanhol El Pais: "A UE aproxima-se de um ponto de não retorno em relação à confiança dos seus cidadãos".
"Há um risco evidente [de esta crise dar alas] aos instintos nacionalistas em Itália, mas também em Espanha e em todo o lado. Serão muito mais fortes se a Europa não estiver à altura", afirma Conte, depois de repetir que a crise representa "um desafio histórico para Europa".
Giuseppe Conte, cujo país é o mais afetado da Europa pela pandemia, já tinha manifestado a sua irritação no Conselho Europeu extraordinário de quinta-feira passada, ao rejeitar as "medidas tímidas" previstas para apoiar as economias dos 27 e exigindo uma "solução adequada", com instrumentos financeiros verdadeiramente "adaptados a uma guerra", no prazo de 10 dias.
Conte reagia à oposição de quatro Estados-membros à criação de um instrumento europeu comum de emissão de dívida, defendido por ele próprio e oito outros chefes de Governo europeus, entre os quais o primeiro-ministro português, António Costa, para fazer face a "um choque externo, pelo qual nenhum país é responsável, mas cujas consequências negativas são sofridas por todos".
A indignação voltou a aumentar no fim de semana, depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, ter afirmado que os 'coronabonds', como estão a ser designados os eventuais títulos comuns de emissão de dívida comum para fazer face à pandemia, são "apenas uma palavra popular nesta altura" e que são justificadas as reservas dos quatro países que se opõem (Alemanha, Áustria, Finlândia e Holanda).
As palavras de Von der Leyen, numa entrevista à agência alemã DPA, foram "as palavras erradas", condenou o ministro da Economia italiano, Roberto Gualteri.
Von der Leyen retificou mais tarde que a Comissão não exclui nenhuma opção dentro dos limites do Tratado.
Numa sondagem publicada no domingo em Itália, 72% dos inquiridos afirmam que a UE não deu até ao momento "nenhuma contribuição" para fazer face à crise de covid-19.
Para quatro em cinco italianos (77%), "a relação com a UE continuará a ser conflituosa" e "não beneficiará a Itália", segundo a mesma sondagem, que concluiu ainda que a percentagem dos que se consideram "europeístas convictos" caiu 15%, de 64% para 49%.
Várias foram as figuras políticas italianas que criticam a postura da UE. O Presidente da República, Sérgio Mattarella, pediu à UE para tomar "decisões financeiras positivas e decisivas" ultrapassando "sistemas antigos desligados da realidade".
O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, apelou à solidariedade europeia como condição de sobrevivência da UE e lamentou, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera: "Penso que alguns países não perceberam a dimensão da catástrofe que nos desafia e não estão cientes da gravidade da situação para as suas próprias economias".
Já hoje, o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, advertiu que "o projeto europeu corre o risco de naufragar", lamentando que a atual discussão entre Estados-membros, "embora absolutamente legítima, não está adaptada à situação que vivemos".
O antigo presidente da Comissão Europeia e antigo primeiro-ministro italiano, Romano Prodi, criticou fortemente a Holanda, um dos que se opõem aos 'coronabonds', numa entrevista a uma televisão italiana após o Conselho Europeu, acabando a questionar: "Se uma grande crise acontecer, a quem vão vender tulipas?".
"Ou estamos juntos ou desaparecemos do mapa do mundo", avisou Prodi.
Várias outras vozes criticaram a falta de medidas europeias mais eficazes, entre as quais a do ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, considerado um dos "pais" da UE, atualmente com 94 anos e há muito retirado da vida política.
"O clima que parece reinar entre os chefes de Estado e de Governo e a falta de solidariedade europeia representam um perigo mortal para a União Europeia", disse o ex-ministro da Economia francês, que presidiu à Comissão Europeia entre 1985 e 1995, numa rara declaração pública divulgada pelo instituto que fundou com o seu nome.
O novo coronavírus já infetou mais de 727 mil pessoas em todo o mundo, perto de 35 mil das quais morreram.
O continente europeu, com mais de 396 mil infetados e perto de 25 mil mortos, é aquele onde se regista atualmente o maior número de casos, e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais, com 10.779 mortos em 97.689 casos confirmados até domingo.