"As consequências da pandemia serão desastrosas para todos, mas para ele [Presidente da República] em especial", afirmou Fernando Henrique Cardoso numa entrevista à Lusa a partir de Lisboa, admitindo que, apesar do apoio popular de que Jair Bolsonaro ainda goza, a situação em que o país vai ficar depois da covid-19 "pode" significar o fim da sua era.
"Acho que o Bolsonaro foi eleito por maioria de votos e tem um mandato, mas as chances de ganhar uma nova eleição diminuem muito agora, porque as pessoas vão sentir o momento e vão reagir em função dele. Agora, em política isto [a mudança] também depende de quem vem do outro lado", considerou.
Na opinião do antigo Presidente do Brasil, Bolsonaro ainda tem apoio popular. Mas, na sua governação, a classe média "foi muito mais abalada do que no passado e os empresários, que tiraram muito benefício dela, estão agora com medo da irresponsabilidade e falta de visão do Presidente", afirmou.
Além disso, "o vírus que veio de avião, da classe alta, está chegando nas zonas periféricas, não só nas grandes favelas famosas do Rio, mas nas periferias das grandes cidades, todas. E aí a questão da desigualdade vai-se notar", sublinhou.
Aí, a pandemia "vai ser agravada pela pobreza, mas veio da riqueza". E na sua opinião Bolsonaro "dá a sensação de estar perdido e surpreso" com a pandemia.
Porém, a responsabilidade do que vier a acontecer "vai ser-lhe atribuída. Isso é inevitável", avisou.
Por outro lado, a atitude de Bolsonaro, que alega que "é uma gripe, uma coisa simples e que é possível a gente continuar a vida" o que significa que "está mais preocupado com a manutenção da economia do que com a saúde do povo".
Por isso, Fernando Henrique Cardoso considera "há a chance de organizar uma oposição que seja razoável, racional, mas ao mesmo tempo, passional, que acredite nos valores da democracia e da igualdade. Esse tema é muito importante e nos últimos tempos fala-se muito menos disso, do que é importante falar".
A política de Bolsonaro é "desastrada, porque não tem um sentimento reinante de aceitação do adversário. Não é um jogo democrático no sentido pleno. É um jogo muito mais autocrático", considerou.
Por isso, "vou tentar apoiar alguém que tenha ambições de fazer do Brasil um país contra a desigualdade, que tenha crescimento económico, que não se feche, um país aberto, humano, democrata e que dê sinais de compreensão", prometeu Fernando Henrique Cardoso, admitindo um papel mais interventivo nas próximas eleições depois de, nestas últimas, ter decidido "não apoiar nenhum dos candidatos à segunda volta, Fernando Hadad (esquerda), e Jair Bolsonaro (extrema-direita).
"A gente não pode antecipar o futuro. Naquela altura eu não estava de acordo nem com um nem com outro", explicou. "Ex posse, talvez fosse melhor ter um outro", rematou, com sorrisos.
"Portanto espero que surja uma força nova, independentemente do partido, que vai expressar esse sentimento de ser oposto à política dominante agora".
Ainda ligado ao PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), Fernando Henrique Cardoso espera que a oposição se una contra Bolsonaro e possa "jogar contra a continuidade de uma situação".