Escola para crianças cegas na Guiné-Bissau desesperada com "dificuldades"
O pátio de uma casa no bairro de Cuntum, arredores de Bissau, é cada vez mais exíguo para albergar tantas crianças cegas que todos os dias procuram amparo e ensino formal na única escola para cegos da Guiné-Bissau.
© Getty Images
Mundo Guiné-Bissau
A casa é de Manuel Rodrigues, cego e fundador da Agrice (Associação Guineense de Reabilitação e Integração dos Cegos), que faleceu no passado dia 25 de maio, mas as crianças que lá se encontram são oriundas de famílias pobres de todas as partes da Guiné-Bissau.
Questionado pela Lusa sobre o número exato de crianças cegas que se encontram sob a responsabilidade da Agrice, Elísio Gomes, o diretor da escola, teve que puxar pela memória para se lembrar, disse o próprio, devido a "tantas dificuldades".
Após contagem e recontagem, perguntas aos colegas professores, Elísio Gomes lá acabou por indicar que a Agrice tem sob sua responsabilidade direta, 138 crianças, divididas entre os dois lares em Bissau (em Cuntum e Bissaguel) e um em Gabu, no leste.
O número é apenas de crianças internas nos três lares às quais a Agrice garante alojamento, alimentação, assistência médica e medicamentosa e ensino através da técnica de braile e de linguagem gestual para aquelas com visão parcial.
Além daquelas crianças, andam na escola Bengala Branca, da Agrice, cerca de 600 crianças portadoras de deficiências.
O fundador e patrono dos três lares morreu, mas o corpo docente, composto por 32 professores, pretende continuar a obra de Manuel Rodrigues para "ajudar as crianças a serem pessoas úteis à sociedade e que não vão pedir esmolas pelas ruas", observou Elísio Gomes.
Neste momento, o "sonho principal" de Manuel Rodrigues depara-se com tantas dificuldades" que o professor Elísio Gomes teme pelo futuro da ação social se não houver ajudas urgentes das autoridades guineenses e de parceiros internacionais.
Nos próximos tempos, a direção da Agrice vai endereçar cartas ao Presidente guineense, Umaro Sissoco Embalo, aos membros do Governo, às agências das Nações Unidas e às embaixadas para pedir ajuda.
A embaixada de Portugal em Bissau é a principal parceira da Agrice de quem Elísio Gomes explica que recebe ajuda financeira para a aquisição de combustíveis para as três carrinhas de transporte das crianças, a sua alimentação e pagamento de subsídio ao pessoal docente.
Com o início da pandemia do novo coronavirus, a ajuda portuguesa deixou de chegar à Agrice, o que transformou a vida no lar, que neste momento se resume à casa de Manuel Rodrigues, "ainda muito mais difícil", contou ainda Elísio Gomes.
No dia do falecimento de Manuel Rodrigues, o lar recebeu de pessoas singulares, em sinal de solidariedade, alguns apoios em géneros alimentícios, mas a direção teme que rapidamente essa ajuda desapareça.
De imediato a associação precisa de meios para continuar a alimentar as crianças, mas também clama por viaturas novas, já que as três existentes já estão velhas, por terem sido adquiridas há mais de 15 anos.
Elísio Gomes frisou que as crianças cegas só podem ser transportadas da escola para os lares de acolhimento em viaturas especiais.
E no futuro, Gomes disse à Lusa que a associação gostaria de construir uma casa de acolhimento junto à escola de Bissaguel, na zona de Safim, para aí agrupar todas as crianças que hoje utilizam a casa familiar de Manuel Rodrigues como o seu verdadeiro lar.
A família dessas crianças "simplesmente abandonaram-nas", lamenta-se o professor Elísio Gomes, afagando a cabeça a uma menina, de seis anos, que nasceu cega, mas que os pais nunca mais procuraram no lar de Cuntum.
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