O estudo, cujos resultados foram divulgados na quinta-feira numa conferência de imprensa do Ministério da Saúde, mostra o alto índice de subnotificação de casos da doença no Brasil, cujos dados oficiais colocam o país como o segundo no mundo com mais vítimas mortais (61.884), e com mais infetados, 1.496.858.
"De modo geral, a diferença entre o número de pessoas infetadas é seis vezes maior do que o número de casos notificados. Trata-se de algo esperado, quando a maior parcela dos casos é leve ou assintomática, o que deve ser ainda confrontado com outros estudos disponíveis visto que outras estimativas apontaram um número maior para essa chamada subnotificação", indicou o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco.
De acordo com o estudo realizado por investigadores da Universidade Federal de Pelotas, em Rio Grande do Sul, 3,8% das pessoas examinadas entre 21 e 24 de junho tinham anticorpos para a covid-19 nas suas amostras de sangue, ou seja, estavam infetadas ou já tinham estado em contacto com o vírus que transmite a doença.
Projetando essa percentagem, os cientistas calculam que se 3,8% dos 211 milhões de brasileiros têm anticorpos para o vírus, pelo menos oito milhões já teriam sido infetados em algum momento nos últimos quatro meses.
O estudo foi realizado em três etapas (segunda quinzena de maio, primeira quinzena de junho e segunda quinzena de junho) e mostrou que o número de pessoas infetadas aumentou 23% entre a segunda e a terceira etapas, bem abaixo do aumento de 53% registado entre a primeira e a segunda.
"É um excelente resultado, porque medimos um aumento de 53% entre a primeira e a segunda fase, que é um salto gigantesco, e esse crescimento já diminuiu. Idealmente, deveria ser menor, mas já se trata de uma vitória", afirmou o reitor da Universidade Federal de Pelotoas, Pedro Hallal, em conferência de imprensa.
Enquanto que na primeira etapa a percentagem de pessoas com anticorpos foi de 1,9% dos analisados (com os quais o Brasil teria quatro milhões de casos), esse valor duplicou para 3,8% na terceira fase (oito milhões).
Na primeira etapa do estudo, o número de pessoas com anticorpos detetados era sete vezes superior ao número de casos confirmados oficialmente na ocasião. Na segunda, essa proporção diminuiu para seis e, na última etapa, caiu para cinco.
Além do alto grau de subnotificação da doença no país, o estudo também mostrou que o contágio está a crescer mais entre os pobres, negros e indígenas, que apresentam taxas de contágio três vezes superiores às de brancos e ricos.
"A tendência é que o número de pessoas com anticorpos aumente conforme diminui o nível socioeconómico. Entre os 20% mais ricos, a percentagem de infetados era de 1,8% e entre os 20% mais pobres, era de 4,1%", indicou o estudo.
Outro ponto de destaque é que as maiores proporções de pessoas infetadas são encontradas em negros e pardos (termo usado no Brasil para identificar o tom de pele fruto de uma miscigenação), (5,6%) e índios (5,4%), enquanto que a taxa entre brancos é de 1,1%.
"Também foi possível observar que o recente relaxamento das medidas de distanciamento social em vários municípios fez com que a curva de contágio não entrasse em fase descendente, ao contrário do que ocorreu nas cidades que apenas levantaram a quarentena após uma queda consistente no número de novas infeções", disse Hallal.
O reitor afirmou ainda que chamou a atenção da equipa o facto de que as "cidades que seguiram as recomendações e só relaxaram o isolamento quando a curva já estava a descer, como Manaus (na Amazónia), é possível ver que a curva não voltou a subir. As cidades que decidiram relaxar com a curva em ascensão, cometeram um erro. E várias cidades estão a cometer esse erro", acrescentou.
O estudo também mostrou que a percentagem de infetados assintomáticos não é tão alta quanto se imaginava, uma vez que apenas 9% das pessoas que contraíram a covid-19 disseram não terem tido sintomas.
A investigação foi patrocinada pelo Ministério da Saúde, que pagou a contratação dos vários profissionais que trabalharam no estudo e forneceu os testes sorológicos rápidos usados ao longo do trabalho, que foi o maior feito até agora no país sobre a pandemia.
Coronavírus pode estar em circulação no Brasil desde novembro
Um estudo preliminar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do Brasil, realizado em conjunto com a Universidade de Burgos, de Espanha, identificou a presença do genoma do novo coronavírus, transmissor da covid-19, nos esgotos de Florianópolis, capital do estado brasileiro de Santa Catarina, já em novembro.
As "partículas do novo coronavírus" foram encontradas "em duas amostras da rede de esgoto de Florianópolis coletadas em 27 de novembro de 2019", três meses antes "de o primeiro caso clínico ter sido relatado no Brasil", explicou a UFSC.
O Brasil confirmou em 26 de fevereiro o seu primeiro diagnóstico positivo para a covid-19, que foi também o primeiro caso confirmado da doença na América Latina.