Desde que foi declarado o estado de emergência para conter o contágio do novo coronavírus, em meados de março, as autoridades venezuelanas detiveram "arbitrariamente" e processaram "criminalmente" jornalistas, profissionais de saúde, advogados de direitos humanos e opositores políticos que criticam o Governo do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, segundo o relatório divulgado hoje pela organização não-governamental (ONG) dos direitos humanos.
De acordo com o documento, muitos dos detidos são acusados de crimes ao abrigo da "lei contra o ódio" de 2017, que é "absurda e excessivamente ampla", e são processados por um judiciário "sem a menor independência".
Os advogados dos acusados têm acesso "muito limitado" aos registos do tribunal e aos procuradores, devido ao "encerramento dos tribunais".
Segundo o relatório, alguns detidos sofreram "abusos físicos" que podem ser considerados "tortura".
"O estado de emergência fez com que as forças de segurança e os grupos armados que apoiam o Governo, que já têm um histórico deplorável de torturas e execuções extrajudiciais, sintam que têm o poder de reprimir os venezuelanos com maior ferocidade", advertiu José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW.
A diretora-adjunta para as Américas da HRW, Tamara Taraciuk Broner, disse mesmo que, devido ao contexto da pandemia, o país está a avançar para "um estado policial".
Em 13 de março, lembra a ONG, Maduro decretou um estado de "emergência e alarme" em todo o país e ordenou medidas para limitar a propagação da covid-19, incluindo restrições à circulação, a suspensão de algumas atividades e o uso obrigatório de máscaras.
Maduro estendeu o estado de emergência cinco vezes, ultrapassando "o limite constitucional de 60 dias".
A Assembleia Nacional, com maioria da oposição, não aprovou as medidas, embora a lei o exija, de acordo com a HRW.
Na prática, os responsáveis por garantir que a população cumpra as normas de confinamento são as forças armadas e outras forças de segurança, incluindo a polícia nacional bolivariana (PNB) e as suas forças de ação especial (FAES) - implicadas em "execuções extrajudiciais" - e grupos armados pró-governo conhecidos como "coletivos".
Com base numa análise de casos relatados por ONG venezuelanas e pelos meios de comunicação, a Human Rights Watch identificou 162 pessoas que foram vítimas de "perseguição, detenção ou processo criminal" entre março e junho.
A ONG venezuelana Foro Penal informou que houve 257 detenções "arbitrárias" naquele período.
Em alguns casos, os detidos sofreram "abusos, incluindo agressões verbais e físicas, espancamentos e ficaram algemados por longos períodos".
O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), segundo a HRW, informou em julho que houve uma "aplicação discricionária" do estado de emergência por parte dos militares, outras agências de aplicação da lei e autoridades locais.
Também documentou que os "coletivos" intimidaram e atacaram opositores políticos, manifestantes e jornalistas antes e durante a pandemia.
Em última análise, as detenções, processos criminais arbitrários e abusos contra detidos desde a declaração do estado de emergência seguem "o mesmo padrão dos abusos sistemáticos" perpetrados por agentes das forças de segurança que a HRW documentou nos "ataques brutais contra os opositores desde 2014".
A Venezuela tem mais de 42 mil pessoas infetadas pelo novo coronavírus e 358 mortos.
A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 826 mil mortos e infetou mais de 24,2 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.