Em entrevista à agência Lusa, na véspera de completar dois anos à frente da Organização Internacional das Migrações (OIM), António Vitorino confessou que nunca imaginou "o que o esperava" com a pandemia.
"Confesso que, há dois anos, quando iniciei funções, não fazia a menor ideia de como estaríamos hoje, com a pandemia - porque a OIM é uma organização que assenta a sua ação na mobilidade humana e nas migrações, e o mundo parou", afirmou, admitindo que "nesse sentido, a pandemia foi e continua a ser, um desafio enorme".
Apesar de considerar que a organização tem flexibilidade suficiente para responder aos impactos mais diretos da pandemia na vida dos migrantes, António Vitorino reconhece que a verdadeira questão vai pôr-se no longo prazo.
"A questão prende-se, sobretudo, com as consequências económicas e sociais que a pandemia vai acarretar" e "os imigrantes são, normalmente, as pessoas mais vulneráveis nas sociedades, são os primeiros a perder o emprego, designadamente as mulheres e as raparigas [que] são particularmente vulneráveis, sujeitas a exploração, a abusos, a violência sexual", disse.
Por isso, neste momento, a principal preocupação "é que a recuperação económica e social que vai ter de ser feita a seguir à pandemia não exclua ninguém e designadamente não exclua os imigrantes, porque podem e devem dar um contributo positivo para essa recuperação nos países de acolhimento", acrescentou.
Com mais três anos de mandato na OIM, o diretor-geral apontou a retoma da circulação das pessoas à escala global como o desafio do futuro.
"Não há recuperação económica e social sem retoma do comércio internacional e o comércio internacional é indissociável da mobilidade humana. Portanto, o grande desafio que temos agora à frente é [saber] como é que vamos retomar a circulação das pessoas à escala global - as viagens, o turismo, as migrações, a proteção internacional para os refugiados - numa situação em que, cada vez mais, as questões sanitárias" vão ser incorporadas nos sistemas de controlo de fronteiras, defendeu.
Mas a covid-19 não alterou só a circulação das pessoas.
Segundo o diretor da OIM, a pandemia alterou as rotas de migração e reforçou sentimentos tão opostos como a xenofobia nuns casos e a integração noutros.
No caso das rotas, António Vitorino aponta para as diferenças que se verificaram no Mediterrâneo.
"Assistimos, desde o início da pandemia, a uma redução muito significativa das chegadas às ilhas gregas, [mas também] assistimos a um aumento de cerca de quatro vezes [relativamente ao ano passado do número] das chegadas a Itália", avançou.
"[Também] assistimos a uma subida muito significativa do número de chegadas de imigrantes às ilhas Canárias a partir da costa ocidental africana", referiu, sublinhando que, neste momento, é urgente criar "um sistema de busca e salvamento que permita salvar a vida das pessoas que embarcam nessas jornadas extremamente perigosas".
E se a viagem é perigosa, o destino não o é menos, em muitos casos.
"Tanto nos países de destino como nos países de origem há um aumento da estigmatização e da xenofobia, muitas vezes ligado à expansão do vírus e às características desta pandemia", reconheceu Vitorino, ressalvando, no entanto, que também nota exemplos positivos.
"Em muitos países de destino, de acolhimento de imigrantes, foi finalmente reconhecido que o direito do acesso à saúde é universal, independentemente do estatuto legal", elogiou.
Por causa da pandemia, "muitos países que até hoje não garantiam o acesso aos serviços básicos de saúde aos imigrantes - designadamente aos imigrantes irregulares -, compreenderam que é do interesse da segurança sanitária e de saúde de toda a comunidade que todos, independentemente do seu estatuto jurídico, tenham acesso e possam ser identificados os casos de contaminação e ser [sujeitos] à necessária terapia ou prevenção", acrescentou.
Alguns países, como por exemplo Portugal, "adotaram medidas de regularização ou de extensão dos prazos das autorizações de residência ou de permanência no território para permitir que os migrantes não caíssem num limbo legal por causa da pandemia ou da paralisia dos serviços sociais ou dos serviços públicos provocado pelas medidas de confinamento", sublinhou o diretor-geral da OIM.