Se temos apreensões, é boa notícia: isso significa que as autoridades estão a fazer um trabalho mais certeiro, mais dedicado, mais profissional e dão as mãos com a cooperação internacional", disse em entrevista à Lusa César Guedes, representante do Escritório das Nações Unidas para a Droga e Crime Organizado (UNODC) em Maputo.
No final de janeiro, uma fragata da marinha francesa apreendeu 444 quilos de metanfetaminas e heroína num 'dhow' (barco à vela, artesanal, típico do Índico) no Canal de Moçambique (onde França tem algumas ilhas), droga num valor superior a 40 milhões de euros.
Ao mesmo tempo, a polícia moçambicana deteve um homem na posse de 61 quilos de heroína e cinco de metanfetaminas em Nacala Porto, na província de Nampula.
Já esta semana, na terça-feira, as autoridades detiveram um empresário na cidade de Pemba, no norte do país, na posse de 180 quilos de efedrina, substância que se acredita teria como destino o fabrico de drogas.
Estas apreensões mostram de forma "clara" que "Moçambique não está sozinho neste combate e estas apreensões, em diferentes momentos, tiveram o apoio de países que têm uma agenda de trabalho" comum para o combate ao narcotráfico, referiu César Guedes.
A cooperação internacional assim como os treinos e formação prestados pela UNODC às autoridades moçambicanas para combate ao narcotráfico "estão a dar resultados", resumiu.
O responsável destacou a tendência de traficantes entrarem "mais e mais" no sudoeste do oceano Índico, por a considerarem uma rota "fiável" e "previsível", apesar de ser a mais longa para chegar aos mercados do hemisfério norte.
Moçambique é uma passagem, tem a maior costa entre a Somália e África do Sul e permite ligação terrestre para vários países e desses para o destino.
Tudo isto num contexto em que as nações a norte de Moçambique - Tanzânia e Quénia -- têm empurrado o crime organizado para longe das suas costas, obrigando os traficantes a procurar entradas a sul (Moçambique) e numa altura em que o Afeganistão vive dias de instabilidade acrescida.
"Quanto maior instabilidade no Afeganistão", mais a droga é uma "alternativa de negócio" num país responsável por 85% da heroína que circula no planeta e quase 100% da efedrina de origem vegetal - e isso reflete-se na costa moçambicana.
A resposta em Moçambique passa pelo esforço de parceiros, algo que faz parte "do ABC da cooperação internacional" porque "nenhum país pode enfrentar estas dinâmicas sozinho", frisou.
Por outro lado, César Guedes salientou que há sinais claros de que as autoridades moçambicanas estão motivadas para o combate ao narcotráfico e abertas à cooperação, bem como à capacitação institucional que é prioridade da UNODC.
O país lusófono tem especificidades: é igualmente rico em fauna bravia, pedras preciosas e madeiras raras que dão origem a outras redes de tráfico que por vezes se interligam com o narcotráfico.
"Duas faces da mesma moeda", descreveu César Guedes: por vezes, o 'dhow' que leva droga para Moçambique, regressa com o resultado de tráfico de recursos naturais do país.
O representante do UNODC em Moçambique abriu o escritório em 2019, após solicitação do Governo, chegando a Maputo após ter ocupado posto idêntico na Bolívia e depois de cinco anos no Paquistão - precisamente o país onde se fazem ao mar os barcos que atravessam o oceano Índico com heroína até Moçambique.
Portugal faz parte dos países que têm apoiado a consolidação da representação, grupo que inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suécia e Suíça, além da própria União Europeia.
Ao nível da cooperação regional, Maputo deverá receber este ano um escritório de segurança marítima tripartida, partilhado com especialistas da África do Sul e Tanzânia, em parceria com a UNODC.
Será um órgão consultivo e de troca de experiências para os países reforçarem em conjunto a vigilância sobre o sudoeste do oceano Índico.
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