Vacinação de amigos ameaça Governo da Argentina em ano eleitoral

A revelação de um esquema de vacinas para os amigos do poder numa sala dentro do Ministério da Saúde argentino já levou à demissão do ministro e ameaça afetar o Governo num ano eleitoral, dizem analistas. 

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© Adria Puig/Anadolu Agency via Getty Images

Lusa
20/02/2021 10:30 ‧ 20/02/2021 por Lusa

Mundo

Covid-19

 

A Argentina foi sacudida nas últimas horas pela revelação de um esquema paralelo de vacinação que reservava vacinas contra covid-19 para privilegiados que não precisavam fazer fila nem pertencer a nenhum grupo de risco.

A distribuição de vacinas obedecia critérios políticos e não sanitários. 

Para o esquema, chamado de "Vacinação VIP", foi aberta uma sala de vacinação no segundo andar do Ministério da Saúde, administrada pelo próprio ministro da Saúde, Ginés González García, que, encurralado pelo escândalo, recebeu a ordem de renúncia por parte do Presidente Alberto Fernández

"Em resposta ao seu expresso pedido, apresento-lhe a minha renúncia ao cargo de ministro da Saúde", escreveu Ginés Gonzáles García numa carta aberta dirigida ao Presidente Alberto Fernández

"Esse escândalo revela uma rede de tráfico de influências e de falta de ética que representa um sério dano ao Governo num ano eleitoral. As revelações afetam o processo de vacinação, principal ferramenta política para a campanha eleitoral", indica à Lusa o analista político Raúl Aragón

"Sem dúvida, terá um custo político para o Presidente. Com esse escândalo, acabou o relato da épica governista sobre o processo salvador de vacinação. Acabou a propaganda política em torno das vacinas", concorda o médico neurologista e analista político Nelson Castro. 

A Argentina terá em outubro eleições legislativas, que funcionarão como um plebiscito para o Governo.

Sem poder exibir trunfos económicos nem sociais, o processo de vacinação é a grande arma do Governo para mostrar um país que supera a pandemia e renova as esperanças. 

Após a demissão do ministro, a atual secretária da Saúde, Carla Vizzotti, número dois no Ministério, assume hoje o cargo de ministra da Saúde. 

"É difícil acreditar que Carla Vizzotti não soubesse do funcionamento de uma sala de vacinação no seu próprio Ministério", questiona Nelson Castro. 

O esquema de tráfico de influências no Ministério da Saúde privilegiou funcionários públicos, legisladores e personalidades públicas que usaram o atalho político, graças a uma reserva de 3.000 vacinas que não foram distribuídas aos governos provinciais e ficaram sob administração direta do Ministério da Saúde. 

Mesmo perante a escassez de vacinas, passou pela sala VIP de vacinação, por exemplo, Lisandro Bonelli, de 44 anos, sobrinho do ministro e chefe de Gabinete no Ministério. 

Também por lá passaram o líder sindical Hugo Moyano, de 77 anos, com a sua mulher e com o seu filho, de 20 anos, e políticos amigos como o deputado Eduardo Valdés e o senador Jorge Taiana, ex-chanceler argentino. 

"Fui por indicação do próprio ministro. Nunca pensei que estivesse a fazer algo ilegal", argumentou o deputado Eduardo Valdés, amigo do Presidente Alberto Fernández

"Se o Titanic se afundasse, essa gente subiria para os botes antes das mulheres e das crianças", comparou o deputado opositor, Waldo Wolff. 

Na Argentina, apenas o pessoal da Saúde podia ter sido ser vacinado até quinta-feira.

Nesta sexta-feira, alguns distritos passaram também a permitir maiores de 80 anos que precisam inscrever-se numa lista de espera até serem chamados. 

A revelação do esquema paralelo de privilégios veio por parte de Horacio Verbitsky, um influente jornalista, aliado do Governo, mais especificamente da vice-Presidente, Cristina Kirchner. 

Durante uma entrevista por rádio, Verbitsky, de 79 anos, contou como conseguiu ser vacinado sem respeitar o protocolo previsto para a população. 

"Telefonei ao meu velho amigo Ginés González García (ministro da Saúde), que me disse que deveria ir ao Hospital Posadas. Quando estava para ir, recebi uma mensagem do secretário de Ginés, que me disse para ir ao Ministério porque os vacinadores do hospital estariam lá", contou  

A Argentina está entre os 15 países mais afetados pela pandemia.

O Governo prometeu que, para esta altura de fevereiro, teria recebido 20 milhões de doses, suficientes para vacinar dez milhões de pessoas. No entanto, só chegaram ao país menos de 10% da quantidade prometida: 1,22 milhão de doses da vacina russa Sputnik e 580 mil da AstraZeneca/Oxford. 

Em 50 dias de vacinação, o Governo vacinou menos de 1% da população de 45 milhões de habitantes. São 391.975 pessoas com a primeira dose e 241.662 com a segunda dose. 

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.441.926 mortos no mundo, resultantes de mais de 110,2 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 15.821 pessoas dos 794.769 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China

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