Demorou quase um ano para que uma missão de peritos chefiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) fosse à China com a missão de investigar a origem do SARS-CoV-2 e ao cabo de um mês em território chinês, principalmente em Wuhan, a cidade do centro do país onde foram identificados os primeiros casos de infeção, os cientistas voltaram com novas hipóteses, mas nenhumas certezas.
O relatório final da missão, composta por 17 cientistas internacionais e 17 chineses, deverá ser publicado na próxima segunda-feira e sejam quais forem as conclusões, um número crescente de membros da comunidade científica reclama uma transparência que Pequim não ajudou a garantir, quer pela demora em autorizar a entrada da missão quer pelas condições de trabalho e acesso a dados que lhe terá permitido.
A missão foi sendo preparada ao longo de meses e mesmo entre os seus membros não houve consenso sobre a maneira como conseguiram trabalhar, nomeadamente no acesso a dados em bruto sobre doentes diagnosticados com pneumonia em Wuhan, com declarações contraditórias sobre a abertura das autoridades chinesas.
No fim da missão, os peritos internacionais afirmaram que seria "extremamente improvável" o vírus ter tido origem numa fuga laboratorial, uma hipótese que circula desde o ano passado e que de início foi rotulada como teoria conspirativa, mas tem vindo a ganhar credibilidade entre a comunidade científica.
O chefe da missão, o dinamarquês Peter Embarek, afirmou que não era hipótese que valesse a pena continuar a investigar e indicou que não havia registo de qualquer publicação ou investigação do SARS-CoV-2 "em lado nenhum do mundo".
No entanto, essas declarações viriam a ser contrariadas pelo próprio diretor geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, que afirmou que "todas as hipóteses" continuavam em cima da mesa para a origem da pandemia.
A hipótese de o contágio global que já matou mais de 2,5 milhões de pessoas e infetou mais de 116 milhões ter partido de um acidente laboratorial assenta na possibilidade de o vírus ter acidentalmente saído dum laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan, onde se investigam coronavírus como o que provoca a covid-19 com origem zoonótica, ou seja, de origem animal.
Mas os cientistas que a admitem como provável não apontam para uma espécie de arma biológica que teria sido arquitetada ou construída, mas sim como o resultado de um método de investigação científica conhecido como "ganho de função" e praticado em Wuhan, em que vírus recolhidos na natureza são manipulados molecularmente e evoluídos para se tornarem mais infecciosos.
O principal argumento entre cientistas como os 24 que assinaram uma carta aberta reclamando transparência na investigação, afirmando que a missão teve a sua "validade científica comprometida", é a hipótese de fuga laboratorial não poder ser descartada como viável.
Pelas primeiras declarações da missão internacional, surgiu reforçada uma hipótese que já tinha sido divulgada pelos meios de comunicação estatais chineses, a de o vírus poder ter chegado a Wuhan, mais concretamente ao mercado de Huanan, através de carne congelada de ferrão-texugo, um animal que é criado para consumo em alguns lugares da Ásia, que poderia até ter vindo de fora da China.
Nesse caso, poderia estar encontrada a forma como o vírus se transmitiu aos seres humanos: através de uma espécie da família dos mustelídeos, entre os quais estão as martas, animais que comprovadamente são suscetíveis a infeção pelo SARS-CoV-2.
Das hipóteses aventadas pelas autoridades de saúde chinesas há cerca de um ano como potenciais transmissores do novo coronavírus, como os morcegos ou os pangolins, passou-se a considerar que é pouco provável que o contágio aos humanos tenha começado por eles, pelo menos de acordo com a Comissão Nacional de Saúde.
Novamente, nenhum animal foi ainda identificado definitivamente, quer como reservatório natural do vírus quer como veículo de passagem à espécie humana.
Outra pergunta que permanece sem resposta concreta é quando: embora tenha sido a 31 de dezembro de 2019 que as autoridades chinesas comunicaram à OMS que circulava em Wuhan uma pneumonia viral de origem desconhecida, dados do governo referem que o primeiro caso pode ter sido registado em novembro.
Por outro lado, investigação científica baseada em análises à água do esgoto urbano em vários países aponta para a circulação do vírus na Europa e nos Estados Unidos ainda em 2019, antes de qualquer caso ser declarado oficialmente.
No caso mais extremo, reportado por investigadores da Universidade de Barcelona, foram encontrados vestígios do novo coronavírus em águas residuais recolhidas em março de 2019.
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