Partido pró-curdo da Turquia denuncia "golpe" após ameaça de ilegalização

O principal partido pró-curdo da Turquia denunciou hoje um "golpe político" após um procurador ter reclamado a sua proibição por atividades "terroristas", acusando o presidente Recep Tayyip Erdogan de procurar silenciá-lo antes das próximas eleições.

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Lusa
17/03/2021 20:11 ‧ 17/03/2021 por Lusa

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Turquia

 

Hoje, o procurador público do Tribunal de Cassação apresentou no Tribunal Constitucional uma ata de acusação que solicita o início de um processo destinado à ilegalização do Partido Democrático dos Povos (HDP), a terceira força política do país e alvo de uma implacável repressão desde 2016.

"Apelamos a todas as forças democráticas, a todas as forças da oposição sociais e políticas e ao nosso povo a oporem-se em conjunto contra este golpe político", reagiram com comunicado os copresidentes do HDP, Pervin Buldan e Mithat Sancar.

O pedido de ilegalização do HDP arrisca-se a reforçar as apreensões de governos e organizações de direitos humanos sobre o Estado de Direito na Turquia, num momento em que Ancara pretende apaziguar as suas tensas relações com os Estados Unidos e a Europa e promover negociações diretas com a Grécia sobre a situação no Mediterrâneo Oriental.

Na ata de acusação, o procurador exige a extinção do HDP que considera "atuar como uma extensão" do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), a guerrilha curda que desencadeou uma rebelião armada em 1984 e definida de "terrorista" por Ancara e os seus aliados ocidentais.

"Pelas suas declarações e os seus atos, os membros do HDP esforçam-se em destruir a união indivisível entre o Estado e a nação", afirma o procurador citado pela agência noticiosa estatal Anadolu.

O procurador Bekir Sahin reclamou ainda a proibição do exercício de funções políticas dirigida a 600 membros do HDP, uma medida que parece destinada a impedi-los de formar um novo partido político em caso de ilegalização.

O Tribunal Constitucional deverá ainda aceitar esta ata de acusação para que seja fixada a data de um processo.

Este anúncio surgiu após várias semanas de crescentes ataques verbais contra o HDP por parte de Erdogan e pelo seu parceiro de coligação informal, o Partido de Ação Nacionalista (MHP, extrema-direita).

O chefe de Estado acusa do HDP, alinhado à esquerda e com forte implantação nas regiões do sudeste do país com maioria de população curda, de constituir a "vitrina política" do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que em 1984 desencadeou uma rebelião armada na Turquia.

As críticas contra o HDP intensificaram-se após uma fracassada operação militar turca em meados de fevereiro destinada a resgatar 13 reféns mantidos pelo PKK no norte do Iraque, e que culminou na morte de todos os prisioneiros.

O dirigente do MHP, Devlet Bahçeli, declarou no início de março que a ilegalização do HDP se tornou "urgente e necessária".

O HDP, que rejeita firmemente as acusações de "atividades terroristas", afirma ser vítima de perseguição devido à sua persistente oposição às políticas do chefe de Estado, também líder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamita conservador), no poder desde 2003.

Hoje, o partido de esquerda e pró-curdo acusou Erdogan de "utilizar a justiça como um bastão para recompor a paisagem política", a dois anos de eleições presidenciais que se preveem complicadas para o poder, num cenário de dificuldades económicas.

"A sua agressividade é a prova do seu pânico", prosseguiu o HDP. Mas "seja aquilo que nos façam, nunca nos vergaremos, nunca nos renderemos (...). Vamos prosseguir a nossa resistência democrática com determinação", acrescentou o comunicado da atual liderança do HDP.

Na sequência de uma fracassada tentativa de golpe militar em 2016, Erdogan desencadeou uma repressão generalizada e que também atingiu o HDP, alheio à rebelião golpista.

O poder turco também multiplicou as detenções e destituições de eleitos do HDP, e logo em 2016 deteve o seu líder Selahattin Demirtas, que permanece numa prisão de Edirne na Trácia oriental, a região turca dos Balcãs, apesar dos apelos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para a sua libertação.

Desde essa data, centenas dos membros do HDP foram presos e dezenas dos seus responsáveis municipais eleitos no sudeste da Turquia substituídos por administradores designados pelo Governo.

O pedido de ilegalização do HDP também surgiu poucas horas após o parlamento turco ter retirado o mandato a Omer Faruk Gergerlioglu, um deputado eleito por este partido nas legislativas antecipadas de junho de 2018, onde garantiu 67 dos 600 lugares na Grande Assembleia Nacional (parlamento).

"Vou resistir a este golpe contra o parlamento. A vontade do povo não pode ser espezinhada", reagiu Gergerlioglu, privado do seu mandato após a leitura oficial no parlamento nacional de Ancara da confirmação, em última instância, de uma condenação a dois anos e meio de prisão por "propaganda terrorista".

Antes da sua destituição, Gergerlioglu denunciou uma violação da Constituição e afirmou que apenas abandonaria o hemiciclo se fosse constrangido pela força.

"É um ataque chocante contra as normas democráticas e o Estado de direito e ainda uma violação da Constituição turca e das obrigações que decorrem do direito internacional", denunciou no Twitter Emma Sinclair-Webb, representante na Turquia da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW).

Contando com Gergerlioglu, 14 deputados curdos já foram afastados do seu mandato desde 2016.

Leia Também: Chefe da diplomacia grega desloca-se à Turquia em abril

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