O ex-Presidente socialista Evo Morales "tentou todas os estratagemas para poder perpetuar-se no poder na Bolívia", inclusivamente desrespeitando as leis vigentes, declarou à Lusa Jorge Quiroga, no âmbito do Best of Estoril Conferences, realizado em formato digital.
Para Quiroga, Morales saiu do poder e, agora que está de volta ao país, "quer eximir-se de qualquer erro que lhe seja imputado, incluindo as acusações de irregularidades nas eleições de 2019", em que tentou obter um quarto mandato como Presidente.
"Evo Morales continua a propagar a mesma ideia, de que sofreu um golpe de Estado", afirmou Quiroga, que concorreu à presidência em 2020 pelo partido Libre 21 (direita liberal).
Após as intensas manifestações populares que se seguiram à vitória de Morales - que estava no poder desde 2006 - na primeira volta das eleições de 2019, nas quais a Organização dos Estados Americanos (OEA) considerou ter havido irregularidades, Evo Morales renunciou à presidência e exilou-se no México. O político voltou ao país no final de 2020.
"'Para impor as mentiras do presente, é preciso mudar as verdades do passado', esta é uma frase do escritor George Orwell que ilustra precisamente o que Evo Morales está a tentar fazer", declarou Jorge Quiroga.
"Covardia não cabe bem no discurso dos socialistas, por isso é preciso contrariá-la de qualquer forma", sublinhou Quiroga.
"Espero que a União Europeia, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu se pronunciem claramente contra esta fantochada montada por Evo Morales para desacreditar as eleições e todo o processo posterior à sua saída", disse, lembrando que os europeus participaram no diálogo para a transição na Bolívia.
"A Bolívia merece a verdade, manter a história" relativa aos factos passados após as eleições de 2019, segundo Quiroga.
Luis Arce foi eleito Presidente da Bolívia no sufrágio de outubro de 2020, pelo partido Movimento ao Socialismo (MAS, o mesmo de Morales).
Arce esteve à frente de vários ministérios e cargos durante os mandatos de Evo Morales.
"O atual Presidente, Luis Arce, continua muito próximo de Morales e é-lhe inclusivamente submisso. Não entendo, porque já que Morales diz que sofreu um golpe de Estado, desacreditando tudo o que foi realizado posteriormente, Arce está também a colocar em xeque a sua própria presidência", disse.
A Presidente interina da Bolívia que assumiu o cargo após a saída de Evo Morales, Jeanine Áñez, declarou, numa carta escrita na prisão e publicada na sua conta da rede social Twitter no dia 13 de junho, data do seu aniversário e dia em que completa três meses de prisão preventiva, que é uma "prisioneira política".
A ex-Presidente interina, que é acusada de crimes de sedição, terrorismo e conspiração e de envolvimento na queda de Evo Morales em 2019, foi presa em 13 de março.
O atual Governo boliviano está a investigar o recebimento de armas, munições de guerra e gás lacrimogéneo do Equador sob o mandato de Áñez e se estes foram usados nos conflitos sociais de 2019.
Jorge Quiroga também disse que, no plano económico, os próximos anos serão muito difíceis para a Bolívia.
"Com as mudanças ocorridas na venda de gás para países como Brasil e Argentina (com produções próprias de gás nos últimos anos), serão tempos difíceis para o meu país, que chegou a exportar um montante equivalente a entre 15% e 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Muito dinheiro entrava nas contas do Governo", indicou.
Sobre o efeito da pandemia da covid-19 na economia da Bolívia, referiu que está a provocar um grande impacto económico e espera que toda população boliviana seja o mais rapidamente possível vacinada para se começar a reerguer a economia do país.
A Bolívia já registou mais de 406 mil casos e 15 mil mortes pela covid-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Jorge Quiroga foi vice-Presidente da Bolívia entre agosto de 1997 e agosto de 2001, durante o Governo do Presidente Hugo Banzer.
Posteriormente, assumiu o cargo de chefe de Estado, em agosto de 2001, depois da renúncia de Banzer por motivos de saúde, e permaneceu no cargo até agosto 2002.
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