"Nenhuma geração ou categoria social está segura, são afetados médicos, professores, estudantes, operários, empresários, informáticos, 'bloggers', artistas ou organizações de solidariedade", assinalou Anaïs Marin, num relatório mais atualizado sobre a situação na Bielorrússia, apresentado hoje no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
No documento, a relatora especial apontou que a repressão das liberdades fundamentais no território bielorrusso agravou-se ainda mais após os protestos contra os resultados das eleições presidenciais de agosto de 2020.
A Bielorrússia atravessa uma crise política desde as eleições de 09 de agosto de 2020, que, segundo os resultados oficiais, reconduziram o Presidente Alexander Lukashenko para um sexto mandato, com 80% dos votos.
A oposição considerou o escrutínio fraudulento, tal como vários países ocidentais, e foi desencadeada uma vaga de contestação sem precedentes naquela antiga república soviética.
Recusando qualquer concessão, o chefe de Estado bielorrusso, no poder há quase 27 anos, prendeu ou forçou ao exílio a maioria dos seus opositores e denunciou manifestações conduzidas pelo Ocidente para o derrubar.
A repressão violenta do movimento de contestação causou vários mortos e várias centenas de pessoas foram detidas.
A relatora especial da ONU denunciou hoje que mais de 35 mil pessoas foram detidas arbitrariamente este ano na Bielorrússia por terem tentado exercer o seu direito à liberdade de reunião pacífica ou por terem expressado a sua solidariedade para com as vítimas de abusos.
Também relatou que as represálias abrangem pessoas próximas dos detidos, incluindo "pais, filhos, vizinhos e colegas de trabalho", que, segundo a perita, são igualmente vítimas de detenções, chantagem ou de outro tipo de pressão.
Toda esta situação, resumiu Anaïs Marin, constitui "um verdadeiro ataque contra a sociedade civil como um todo", ou seja, vai além dos grupos que frequentemente eram visados em anteriores vagas de repressão, nomeadamente opositores políticos, jornalistas e ativistas dos direitos humanos.
A relatora especial da ONU para a Bielorrússia lembrou ainda, citando informações de grupos de defesa dos direitos humanos bielorrussos, que ainda existem naquele país cerca de 530 prisioneiros de consciência, pessoas que estão detidas por causa das suas opiniões ou pelas suas atividades políticas.
"Um número dez vezes superior ao valor da anterior crise pós-eleitoral, que ocorreu em 2011", recordou a perita.
Anaïs Marin mencionou ainda "um uso quase sistemático de tortura e de outros tratamentos degradantes" contra os detidos por parte das forças de segurança bielorrussas, lamentando a "impunidade persistente" que vigora naquele país, uma vez que o sistema judicial bielorrusso não iniciou, até à data, qualquer investigação sobre alegadas violações dos direitos humanos.
Por último, a relatora especial lembrou que a repressão, e o medo a ela associado, acabou por ditar a fuga de dezenas de milhares de bielorrussos para o estrangeiro.
No entanto, frisou Anaïs Marin, o recente caso do jornalista e opositor Roman Protasevich, acabou por dar uma sensação de insegurança a todos os dissidentes bielorrussos.
Em maio passado, o regime de Lukashenko desviou um avião civil da companhia irlandesa Ryanair, que fazia a rota Atenas (Grécia)-Vilnius (Lituânia), para a capital do país, Minsk, situação que culminou na detenção de Roman Protasevich, que estava a bordo do aparelho comercial, pelas autoridades bielorrussas.
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