Para além de Lashkar Gah, Kandahar e Herat -- segunda e terceira cidades do país -- estão desde há vários dias sob a ameaça direta dos talibãs, que se confrontam com forças governamentais nos arredores.
Num discurso no parlamento, o Presidente afegão Ashraf Ghani atribuiu hoje a degradação da situação militar à "brusca" decisão dos Estados Unidos de retirarem as suas tropas e os efetivos da NATO do país.
A conclusão da retirada das forças estrangeiras, presentes no país há 20 anos, está prevista para 31 de agosto e está praticamente concluída.
Ghani afirmou ter elaborado um plano de seis meses para contrariar a ofensiva talibã sem revelar detalhes. Um porta-voz dos insurgentes, Zabihullah Mujahid, qualifou de "absurdas" estas declarações.
Perante o aumento das violências, Washington, que iniciou a retirada dos intérpretes e outros auxiliares afegãos do exército dos EUA e com direito a vistos especiais, anunciou a intenção de acolher, com o estatuto de refugiado, milhares de outros afegãos ameaçados de represálias pelos talibãs após a retirada.
As embaixadas norte-americana e britânica em Cabul acusaram hoje em conjunto os talibãs de terem massacrado "dezenas de civis" num distrito do sul que controlam desde 14 de julho.
As acusações baseiam-se num relatório de uma comissão pública independente (AIHRC), onde se refere que os talibãs mataram, como represália, pelo menos 40 pessoas, funcionários ou responsáveis governamentais antigos ou atuais, após terem tomado posse do distrito de Spin Boldak.
Estas informações são "profundamente perturbadoras e totalmente inaceitáveis", reagiu o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, ao reafirmar que o Afeganistão se tornará num "Estado pária" caso os talibãs "tomem o país pela força e cometam este género de atrocidades".
O porta-voz de Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, exortou hoje os insurgentes a "terminar os horríveis ataques".
O Governo anunciou o envio de centenas de membros de unidade de comando para evitar que os talibãs se apoderem de Lashkar Gah.
"Decorrem combates, cortes de eletricidade (...) as redes de telecomunicações estão inativas, não há medicamentos, as farmácias e centros de saúde estão encerrados", indicou um habitante desta cidade de 200.000 habitantes citado pela agência noticiosa AFP.
Nos últimos três meses os talibãs assumiram o controlo de vastas zonas rurais do Afeganistão durante uma ofensiva-relâmpago e que coincidiu com o início da retirada internacional.
As forças afegãs opuseram uma fraca resistência e apenas controlam as capitais provinciais, que tentam defender a todo o custo. Os combates também alastram por Helmand, bastião talibã e palco de alguns dos combates mais intensos dos 20 anos de intervenção internacional, e a província mais mortífera para a NATO.
A queda de uma primeira capital provincial teria um impacto estratégico e psicológico desastroso para Cabul e o seu exército, e reforçaria as dúvidas sobre a sua capacidade em impedir os talibãs de assumir de novo o poder na capital.
Hoje, os combates prosseguiam em redor de Kandahar, a grande cidade do sul (650.000 habitantes) e berço dos talibãs, que a tornaram no epicentro do seu austero regime islâmico (1996-2001).
O oeste afegão também não escapou ao combates, em particular nos arredores de Herat, com um porta-voz do ministério da Defesa, Fawad Aman, a anunciar "operações de limpeza nos arredores de Herat" e "uma progressão" das tropas de Cabul.
De acordo com o investigador Nishank Motwani, citado pela AFP, "se as cidades afegãs caírem (...) a decisão americana de se retirar do Afeganistão permanecerá nas memórias como um dos equívocos estratégicos mais notáveis da política externa americana".
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