O PGR, Augusto Aras, posicionou-se durante o julgamento que decorre Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro e declarou que cada caso deve ser analisado individualmente.
"Este procurador-geral manifesta concordância com o afastamento do marco temporal, quando se verifica, de maneira evidente, que já houve apossamento ilícito da terra dos índios", disse.
"Por motivos de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios hão de ser feitas no caso concreto, aplicando-se a cada caso a norma constitucional vigente ao seu tempo", acrescentou Augusto Aras.
Em causa está a tese do chamado 'marco temporal', que defende que povos indígenas brasileiros só podem reivindicar terras onde já viviam em 05 de outubro de 1988, dia em que entrou em vigor a atual Constituição do país.
Ou seja, é necessária a confirmação da posse da terra no dia da promulgação da Constituição Federal, mesmo que os povos em causa tenham sido afastados das terras pelo uso da violência.
No entanto, os movimentos indígenas sustentam que a tese termina com "direitos ancestrais" e também favorece a legalização de áreas ocupadas ilegalmente por invasores antes dessa data.
Na sessão do julgamento desta quinta-feira, o PGR afirmou que, historicamente, os indígenas sempre foram expulsos das suas terras.
"A Assembleia Constituinte registou a importância do reconhecimento de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. O Brasil não foi descoberto. Não tem 521 anos. Não se pode inviabilizar os nossos ancestrais, que nos legaram esse país", afirmou, ao rejeitar a tese do 'marco temporal', mantendo o posicionamento do Ministério Público sobre o tema.
"A nossa Constituição Federal reconheceu direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam os índios. Demarcar consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação", sustentou.
A questão chegou ao STF através de uma ação movida pela estatal Fundação Nacional do Índio (Funai) contra uma decisão de um tribunal de segunda instância que reconheceu um órgão público do estado de Santa Catarina como proprietário de terras seculares das etnias Xokleng, Guarani e Kaingang.
A posição do PGR é contrária à da Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que defende o Executivo brasileiro em processos judiciais, que defendeu a adoção do critério do 'marco temporal' durante a sessão de quarta-feira.
Augusto Aras recordou um comunicado de imprensa divulgado recentemente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, indicando que a aplicação da tese do 'marco temporal' contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos.
De acordo com o PGR, a tese "não leva em consideração os casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com violência, razão pela qual não estariam ocupando seus territórios em 1988".
Entre quarta e quinta-feira, foram ouvidas mais de 30 manifestações, entre partes envolvidas diretamente no processo e entidades interessadas na ação.
O julgamento será retomado na próxima semana, possivelmente na quarta-feira, com o voto dos magistrados sobre o tema.
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