Equador, de "Wuhan latino-americana" ao pódio da vacinação
O presidente Guillermo Lasso completou quatro meses à frente do Governo do Equador com uma campanha de vacinação que, em 100 dias, mudou a cara do país e deu-lhe popularidade necessária para tentar reformas estruturais que o Parlamento nega.
© Reuters
Mundo Covid-19
Em abril de 2020, o Equador chocou o mundo com as imagens de vítimas de Covid-19 abandonadas nas ruas por falta de lugar nos hospitais e nos cemitérios. As cenas dantescas vinham da cidade de Guayaquil, base eleitoral do presidente Guillermo Lasso, lugar alcunhado então de "Wuhan da América Latina", em referência à cidade chinesa onde foram detetados os primeiros casos do coronavírus que deu origem a pandemia de Covid-19.
Quase um ano depois, no dia 24 de maio de 2021, Lasso assumiu o poder com uma das suas promessas de campanha: vacinar, em apenas 100 dias, nove milhões de pessoas, equivalentes a metade da população do país, de 17,7 milhões de habitantes.
"Assumir essa responsabilidade foi uma loucura. Era muito complexo cumprir com essa promessa porque a herança recebida do governo anterior era muito complicada. A área de Saúde estava totalmente desarticulada", explica à Lusa o cientista político equatoriano Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).
O Equador teve cinco ministros da Saúde durante a pandemia e tinha vacinado apenas 3% da população até então. Com uma visão empresarial, o ex-banqueiro eleito Presidente foi atrás das vacinas. Falou com os governos de Estados Unidos, China, Rússia, Espanha e Canadá, comprou doses e recebeu doações.
"O critério para as negociações foi a pluralidade de vacinas sem importar a origem. Lasso replicou o modelo chileno de diversidade", observa Carrión, em referência ao êxito do presidente chileno, Sebastián Piñera, outro ex-empresário.
"Lasso teve uma visão empresarial de maximizar os recursos que estavam subutilizados e criou um sistema muito eficiente de vacinação", aponta à Lusa o analista político Simón Pachano, também da FLACSO, em Quito.
Entre as medidas criativas, as zonas eleitorais tornaram-se postos de vacinação. Os equatorianos tinham votado em abril e lasso aproveitou esse conhecimento e também o cadastro eleitoral de todos os cidadãos acima de 16 anos. Para as localidades mais distantes, usou as Forças Armadas.
Foi uma corrida de maratona. Em 15 de julho, conseguiu um recorde mundial: vacinou num único dia 2,5% da população. Em 2 de agosto, 13,8% dos equatorianos estavam vacinados com as duas doses. Um mês depois, o número chegava a 52%.
O novo objetivo é chegar ao final do ano com 80% da população completamente vacinada e atingir a imunidade de grupo.
Agora, com 55% da população completamente vacinada, o Equador é o terceiro país da América Latina com mais gente vacinada, atrás somente de Chile e Uruguai, com 73% cada.
Só um indicador subiu mais do que o número de vacinados: a popularidade do Presidente. Segundo a consultora de opinião pública Cedatos, Guillermo Lasso tem 74,1% de popularidade, ou seja 20 pontos a mais do que os 54% com que foi eleito em abril e 10 pontos a mais do que em junho. E a razão para esse feito, segundo a Cedatos, é a campanha de vacinação.
"É uma cifra impressionante, atingida por dois motivos: porque vacinou muita gente de forma veloz e porque cumpriu com a palavra", aponta Fernando Carrión.
Esse capital político é a catapulta para o Governo tentar agora o seu maior desafio, que é conseguir reformas estruturais que precisam passar por um Parlamento de maioria opositora.
O objetivo das reformas é reativar uma economia que encolheu 7,8% no ano passado e na qual apenas três em cada dez equatorianos têm empregos formais.
Ao completar quatro meses de mandato na sexta-feira, dia 24, Lasso enviou ao Parlamento o projeto da chamada Lei Criando Oportunidades, que abrange a reforma laboral, a tributária e um pacote de medidas para atrair investimentos.
"Conseguimos uma façanha de vacinação da qual devemos ficar orgulhosos. Agora, sete de cada dez equatorianos confiam em nós e essa confiança deve servir para que o mesmo êxito com a vacinação seja agora para criar empregos", disse o Presidente, em rede nacional de TV, horas antes de enviar a proposta de reformas ao Parlamento.
As possibilidades dessas medidas serem aprovadas são mínimas. O Presidente liberal é rejeitado pelas forças de esquerda e de centro-esquerda, maioria no Parlamento, onde os apoiantes do Governo representam apenas 8,7% do total, ou seja 12 dos 137 legisladores.
Com uma maioria popular, mas com uma minoria no Parlamento, o Governo prepara-se para uma jogada audaz se o pacote de medidas for rejeitado: convocar uma consulta popular. Seria uma espécie de referendo sobre as medidas, mas também sobre a gestão.
"Essa consulta teria dois objetivos: avançar com as reformas estruturais e reafirmar a popularidade do Presidente", analisa Fernando Carrión. "Com 74% de popularidade, Lasso ganhará. A consulta será aprovada", aposta.
Simón Pachano prefere não arriscar: "Guillermo Lasso está a confiar muito nessa popularidade, mas um referendo requer três meses de preparação porque é um evento eleitoral. O que pode acontecer com essa popularidade ao longo de três meses?", questiona.
As organizações sociais, os movimentos indígenas e os sindicatos ameaçam reeditar, se o governo insistir com as reformas, os protestos de outubro de 2019 contra o aumento nos combustíveis, que terminaram com 1.500 feridos e com seis mortos.
Esses setores acusam o Governo de querer um ajuste nas contas públicas para cumprir com a meta do recente acordo com o FMI.
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