"Para diversificar a economia e aumentar a sua autossuficiência, o Ruanda está a mobilizar os seus principais ativos - profissionalismo militar, estabilidade política e a "marca Ruanda" - para beneficiar a sua política externa", sublinha Paul-Simon Handy, conselheiro principal regional do ISS, que assina a nota de análise.
"Tanto a República Centro-Africana (RCA) como os destacamentos de Moçambique devem ser vistos como uma diplomacia militar de apoio às ambições económicas que alimentam o 'soft power' do país", afirma o analista.
Estes dois destacamentos militares mostram, segundo o ISS, que o Ruanda tem capacidade para operar em países com os quais não partilha fronteiras - no caso de Moçambique, Handy considera o apoio militar como "uma obra-prima de rapidez e eficácia" -- e que Kigali "tem a capacidade diplomática de intermediar acordos transacionais com países africanos".
O ISS sublinha que o apoio militar bilateral do Ruanda na RCA resultou de um acordo de cooperação militar assinado em 2019 entre Kigali e Bangui, mas que "uma série de acordos de parceria económica complementa esta cooperação em matéria de segurança".
Na mesma linha, o Presidente da República Democrática do Congo (RDCongo), Félix Tshisekedi, e Paul Kagame, chefe de Estado do Ruanda, assinaram um acordo sobre a exploração comum do ouro em junho de 2021, do mesmo modo que tem vindo a aumentar a cooperação com outros estados africanos, segundo o instituto de análise.
"Embora a adesão do Ruanda à Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC) e à Francofonia pudesse justificar o seu envolvimento na RCA, a situação é diferente em Moçambique. O Ruanda não é membro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), mas partilha com Moçambique uma participação na Commonwealth", nota o analista.
Para o ISS, a explicação do envolvimento do Ruanda em Moçambique tem outro fundamento. É que Moçambique faz fronteira com a Tanzânia, e o Ruanda recebe muitas das suas importações do porto de Dar es Salam.
"Uma desestabilização da Tanzânia poderia ter impacto na economia do Ruanda. A integração económica regional e continental é um princípio fundamental da política externa de Kigali e uma das opções estratégicas adotadas para mitigar as desvantagens geográficas do país", sustenta Paul-Simon Handy.
"O entusiasmo de Kagame pelo comércio livre também visa reduzir os custos de transporte e energia, que dificultam o desenvolvimento económico do Ruanda", afirma o analista, acrescentando que "este interesse não é ilimitado, como o demonstram os frequentes encerramentos de fronteiras com o Uganda desde 2019 devido a tensões de longa data entre os dois países".
Handy não estabelece uma ligação expressa entre a deterioração das relações entre o Ruanda e o Uganda e eventuais consequentes implicações no futuro pipeline de petróleo refinado cujos planos unem o porto de Mombassa, no Quénia ao Uganda, Ruanda e, eventualmente, Burundi.
"O Ruanda é um interessante caso de estudo da política externa africana. Combina poder duro (militar) e suave (desempenho socioeconómico e perceção internacional) para atingir objetivos domésticos e globais, apesar dos seus profundos desafios estruturais", considera o ISS.
As escolhas da política externa e de segurança do Ruanda "abrem novos caminhos, à medida que a agilidade diplomática do país oferece novas perspetivas", acrescenta a nota.
O exemplo do Ruanda "mostra como os países pequenos e médios podem otimizar os seus recursos na cena internacional e exercer algum grau de influência", prossegue.
O caso ruandês também lança luz sobre o multilateralismo africano, especialmente quando os países poderosos lutam com desafios internos ou não podem liderar em questões continentais e regionais devido a uma visão estreita dos seus interesses.
"A emergência de potências inteligentes como o Ruanda pode constituir uma forma alternativa de enfrentar os desafios continentais urgentes e de longo prazo", remata o analista do ISS.
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