Segundo a Agência Nacional de Notícias do Líbano (ANL), na sessão plenária, que decorreu no Palácio da Unesco, em Beirute, o primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, garantiu que fará "todo o possível" para que as eleições sejam realizadas.
As próximas eleições correrão após dois anos e meio de crise política e económica no Líbano, iniciada com os protestos de outubro de 2019 contra a classe política.
A tensão sectária aumentou na semana passada devido à agitação desencadeada por atiradores furtivos, que atacaram manifestantes quando estes se dirigiam para um protesto convocado pelas formações xiitas Amal e Hezbollah, no poder, para exigir a demissão do juiz que investiga a explosão do porto de Beirute em agosto de 2020.
O Hezbollah e o Amal acusaram os atiradores de estarem ligados às Forças Libanesas, o segundo bloco cristão no Parlamento, e a uma ex-milícia que operou durante a guerra civil (1975-1990). No total, foram registados sete mortos e 30 feridos.
Analistas citados pela agência noticiosa France-Presse (AFP) referiram que, apesar das profundas divergências, a classe política libanesa parece pelo menos unida num ponto: "obstruir o inquérito judicial sobre a explosão mortal no porto de Beirute, cujas conclusões podem ameaçar a sua sobrevivência".
Os líderes libaneses têm-se oposto a uma investigação internacional sobre a explosão de 04 de agosto de 2020, que deixou mais de 210 mortos e devastou bairros inteiros da capital.
Os analistas lembraram que o primeiro juiz encarregado da investigação local foi demitido em fevereiro após indiciar altos funcionários, enquanto o magistrado que lhe sucedeu está sob pressão e ameaças desde que o substituiu.
Os políticos estão a tentar por todos os meios dificultar o trabalho do juiz Tarek Bitar, recusando-se a comparecer nas audiências e a aumentar o número de queixas contra o magistrado nos tribunais ou até mesmo a pedir a sua substituição.
"A classe dominante está unida no desejo de ver a investigação abandonada e fará todo o possível para fazê-la fracassar", disse Lina Khatib, diretora do programa para Oriente Médio e Norte da África do 'think tank" da Chatham House.
Para a analista, que vive em Londres, as esperanças de responsabilizar os envolvidos na explosão "estão a enfraquecer" devido "aos vários meios utilizados pela classe dominante para travar a investigação", que inclui "o uso da violência".
O poderoso movimento xiita Hezbollah, que lidera a campanha contra o juiz Bitar, acusou-o de politizar a investigação e pediu a sua substituição por um magistrado "honesto".
O caso desencadeou a crise mais séria para o Governo de Najib Mikati, formado em setembro após um impasse político de 13 meses e que teve de suspender as suas reuniões na semana passada após a apresentação da exigência do Hezbollah, "com medo de uma implosão do Governo".
Para Nadim Houry, diretor da Arab Reform Initiative, toda a classe dominante libanesa sente-se ameaçada pelo que descreve como "uma luta essencial (...) pelo Estado de Direito".
"Uma parte da sociedade decidiu ir até o fim e exigir a verdade, mas enfrenta uma classe política que está disposta a recorrer às ameaças, à violência, até a uma nova guerra civil para impedir a procura da verdade", argumentou Houry.
A grande explosão no porto de Beirute foi provocada por um incêndio num depósito que abrigava toneladas de nitrato de amónio armazenadas "sem medidas de segurança" das próprias autoridades, que são acusadas de "negligência criminosa".
As famílias das vítimas veem no juiz Bitar a única esperança de justiça no Líbano, onde a impunidade sempre foi a regra. Após a guerra civil, o país proclamou uma lei de amnistia beneficiando os "senhores da guerra", com muitos deles a tornarem-se líderes políticos.
"É a própria ideia de que um deles pode ser responsabilizado que os leva a resistir", defendeu Houry, sublinhando que se a investigação for bem-sucedida, tal representará "um precedente" que porá fim ao "regime de impunidade" ao qual cada uma das partes no poder fecha os olhos aos abusos dos demais.
"O Hezbollah está cada vez mais a agir como a guarda pretoriana do regime", frisou Houry.
"Estamos atualmente num ponto de inflexão: pela primeira vez na história do Líbano, um juiz está a processar altos funcionários [políticos]. A classe política está acostumada há décadas à impunidade e ao controlo da justiça. Por isso, tem medo e está a lançar esse ataque virulento contra o juiz Bitar", explicou Nizar Saghié, diretor da organização não-governamental Legal Agenda.
E, ao lançar mão das ameaças ou ao levantar o espetro de uma nova guerra civil, a classe política "também quer convencer os libaneses de que o preço da justiça é muito alto", resumiu Lina Khatib.
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