A proposta carecia de maioria qualificada na Assembleia Nacional, pelo que a sua aprovação dependia do voto a favor dos deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, na oposição desde 2016), que votaram contra, alegando que não houve abertura suficiente do Governo para a discutir a sua aplicação.
"Entendemos que não tendo havido essas negociações, não seria avisado, para defesa dos superiores interesses do país e dos cabo-verdianos, que alterássemos uma lei que requer maioria qualificada de dois terços 'ad aeternum' [eternamente], sem termos qualquer tipo de garantia relativamente à sua revisão no futuro", afirmou o deputado Démis Almeida, na declaração de voto do PAICV.
Em causa está uma proposta de alteração à Lei de Bases do Orçamento, que prevê a possibilidade de endividamento interno de até 3% do Produto Interno Bruto (PIB), com o Governo a utilizar os impactos económicos - como a queda de quase 15% do PIB em 2020 -, e sanitários - como o aumento de despesa e queda de receitas, provocados pela pandemia de covid-19 -, para defender ser preciso acautelar estes cenários em termos legais, mas já a pensar na execução orçamental de 2022.
"No cenário que estamos a viver hoje, é claramente um sinal de não colaboração", afirmou, durante a defesa da proposta, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, face ao anunciado 'chumbo' dos deputados do PAICV à proposta, acusando o partido de "negar os impactos de pandemia" em Cabo Verde. Uma postura de "bloqueio" que disse condicionar a execução orçamental em 2022, face à continua quebra nas receitas fiscais devido à covid-19.
Na votação da proposta na generalidade, já ao início da noite de hoje, dos 47 deputados necessários para a sua aprovação (dois terços dos deputados presentes), votaram a favor 38 do Movimento para a Democracia (MpD, maioria) e dois da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID). Os 30 deputados do PAICV votaram contra a proposta, o que impediu que seguisse para discussão na especialidade e votação final.
Na mesma declaração de voto, o deputado Démis Almeida afirmou que os limites que o Governo pretendia alterar com esta proposta "careciam de negociações e de consensualização" com o PAICV, remetendo a possibilidade de voltar ao assunto no âmbito da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022, cuja discussão e votação vai decorrer até sexta-feira, no parlamento.
"Em termos de princípios não somos contra a revisão da lei de Bases do Orçamento do Estado", afirmou o deputado, reclamando que o partido exige uma "negociação" prévia, apesar de o Governo ter revelado hoje que foram feitas 12 reuniões sobre esta proposta.
"Faz-se necessário rever a Lei de Bases do Orçamento, no tocante ao limite do endividamento da Administração Central, aditando-se um artigo, que permite a flexibilização dos limites orçamentais, em linha com as boas práticas internacionais", justificou o Governo na proposta hoje recusada.
No documento, o Governo liderado por Ulisses Correia e Silva recordava que "diversos países, de acordo com recomendações de instituições internacionais especializadas, introduziram cláusulas de salvaguarda nos respetivos quadros de regras orçamentais ao longo dos últimos anos, especialmente, após a crise financeira mundial", permitindo "conferir alguma flexibilidade às regras para fazer face a eventos raros".
"Existem um conjunto de circunstâncias, que estão fora do controlo do Governo, tais como, recessão económica grave, catástrofe natural, catástrofes sanitárias e outras, bem como emergências públicas, que determinam o princípio de flexibilização das regras orçamentais", lê-se ainda.
Em concreto, a alteração proposta à lei que estabelece as Bases do Orçamento do Estado definia que "nos casos de recessão económica, catástrofe natural e sanitária, bem como de emergência pública, com impacto na diminuição de receitas e ou no aumento de despesas", o défice do Orçamento do Estado financiado com recursos internos pode "exceder 3% do PIB a preço de mercado, não podendo ultrapassar 5% do mesmo".
Também prevê que o saldo corrente primário possa ser negativo, "não podendo ultrapassar o limite de 6% do PIB".
Esta proposta era semelhante à alteração pontual proposta pelo executivo na discussão do Orçamento do Estado para 2021, em dezembro, e do Orçamento Retificativo para este ano, em julho.
Em ambas as circunstâncias, essa alteração pontual foi 'chumbada', devido aos votos contra dos deputados do PAICV, apesar dos votos a favor da bancada do MpD e dos deputados da UCID.
Sobre esta nova proposta, o vice-primeiro-ministro explicou anteriormente que o objetivo era "munir o país de um enquadramento mais ajustado a cenários de crise", como a atual pandemia de covid-19, "ancorado num quadro de maior previsibilidade e estabilidade governamental".
É que a atual Lei de Base do Orçamento do Estado de Cabo Verde, acrescentou Olavo Correia, "foi desenhada para um contexto de expansão da atividade económica" e "efetivamente não está talhada para um conjunto de cenários e situações extraordinárias, que têm uma probabilidade diminuta de se efetivarem, mas que podem acontecer".
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