"Não pensemos que neste momento é só regatear percentagens nesta exploração conjunta, essa atitude é errada porque hoje não há acordo. Caducou. A partir do momento da caducidade de um acordo, partimos do zero e é preciso ter força negocial", afirmou o professor da Faculdade de Direito de Lisboa, em declarações à Lusa.
O Acordo de Gestão e Cooperação entre a Guiné-Bissau e o Senegal foi assinado em outubro de 1993 e incluiu a criação de uma zona de exploração conjunta, que comporta cerca de 25 mil quilómetros quadrados da plataforma continental.
A Guiné-Bissau dispensou 46% do seu território marítimo para constituir a ZEC e o Senegal 54%.
A zona é considerada rica em recursos haliêuticos, cuja exploração determina 50 por cento para cada um dos Estados, e ainda hidrocarbonetos (petróleo e gás), ficando os senegaleses com 85% e os guineenses com 15%.
A chamada "chave da partilha dos recursos da plataforma continental" ficou acordada na sequência de litígios judiciais em tribunais internacionais para os quais os dois países recorreram em decorrência de disputas fronteiriças herdadas do colonialismo.
O ex-Presidente guineense José Mário Vaz, por não concordar com aquele acordo de partilha, sobretudo de hidrocarbonetos, denunciou formalmente o entendimento, em 29 de dezembro de 2014, propondo ao Senegal a reabertura de negociações para fixação de novas bases de partilha.
Em dezembro, o primeiro-ministro guineense, Nuno Gomes Nabiam, denunciou no parlamento que o Presidente tinha assinado um acordo de partilha com o Senegal.
O acordo, distribuído aos deputados, refere que a atual percentagem de partilha em relação aos hidrocarbonetos é de 30% para a Guiné-Bissau e 70% para o Senegal em toda a ZEC.
O parlamento aprovou uma resolução a declarar o acordo nulo, mas o chefe de Estado guineense não aceita a decisão, tendo já afirmando que os deputados não têm competência para o fazer.
"É preciso que o Estado se respeite a si, é preciso que os órgãos do Estado apareçam em posições de fortaleza lá fora, não apareçam diminuídos, divididos, porque senão a outra parte como é muito sagaz vai explorar essas fragilidades e a Guiné vai ficar mais uma vez perdida nesse processo negocial", disse o jurista.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa falava à Lusa no âmbito do lançamento do seu livro "Contencioso fronteiriço do mar. Direito internacional, constitucional e geografia (Guiné-Bissau e Senegal num estudo caso), apresentado no domingo, em Bissau.
Para Kafft Costa, é um preciso um "bloco que ultrapasse as divisões intestinas" e "assuma uma estratégia verdadeiramente nacional" e de soberania para aquelas negociações "duras que vão acontecer ou que podem acontecer".
"Neste momento, os órgãos políticos devem delinear uma estratégia negocial sólida, consistente, estruturada, minuciada tecnicamente. Que não apareçam como turistas negociais, mas munidos de ferramentas técnicas robustas, que possam pôr em sentido a outra parte para perceberem que desta parte não são só uns aventureiros que vieram negociar umas percentagens", afirmou.
Questionado sobre por onde passa a estratégia, o professor defendeu que os atores políticos guineenses têm de ter disponibilidade para "negociarem em prol do país" e "não para negociarem em prol dos seus bolsos".
"Não para se apresentarem a eleições pensando em comissões, em casas construídas não sei onde, em dinheiro depositado não sei onde, que esse espírito seja radicalmente afastado e que apareçam limpos sem pedir nada às autoridades senegalesas, pedindo apenas respeito pelo país, pela soberania da Guiné-Bissau e apresentando argumentos técnicos consistentes", disse.
"Para ser simples, parece curto, mas já é muito. Quando alguém aparece com esta atitude negocial ganha muito à partida. Sem isso, vamos ter mais do mesmo. Mais uma missão, mais um acordo mal-amanhado, que põem em causa os interesses da Nação", salientou.
Sobre a decisão do parlamento da Guiné-Bissau anular o acordo assinado pelo Presidente guineense, o jurista disse que é um "passo político importante que dá nota que não se está a construir um consenso em torno de uma decisão".
Em declarações aos jornalistas no domingo, o professor da faculdade de direito de Lisboa tinha já considerado que a assinatura do acordo é inconstitucional, lembrando que o chefe de Estado tem competências para ratificar tratados internacionais, após aprovação pela Assembleia Nacional Popular, o que não aconteceu neste caso.
"Essa inconstitucionalidade tem um desvalor chamado inexistência jurídica. É como se o Presidente nunca tivesse praticado esse ato", disse.
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