"Perante a gravidade dos crimes, a União Africana (UA) deve responder e agir no âmbito do seu mandato de prevenção e proteção, apelando a todas as partes beligerantes para que ponham termo aos abusos e pressionando o Governo [etíope] a levantar o seu cerco ao [estado de] Tigray", sublinhou Carine Kaneza Nantulya, diretora para os Assuntos Jurídicos na divisão de África da organização não-governamental de defesa dos Direitos Humanos norte-americana, citada num comunicado da Human Rights Watch (HRW) divulgado hoje.
Os líderes africanos reunidos em Adis Abeba devem dar prioridade à abordagem dos "abusos desenfreados" que ocorrem no conflito na Etiópia entre os combatentes leais à Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF) e o Governo federal etíope e os seus aliados, incluindo a Eritreia, defende a HRW.
"O conflito, que já dura há mais de um ano, está a ter um impacto devastador na população civil", sublinha ainda a organização.
Segundo a organização, "muitas violações por parte das partes beligerantes da Etiópia são crimes de guerra e algumas podem ser consideradas crimes contra a humanidade".
A começar pelo cerco militar, efetivo e de facto, das forças federais ao estado etíope no norte do país. "Apesar de recentemente ter permitido a entrada de fornecimentos humanitários limitados pelo ar, o Governo federal mantém há sete meses um cerco efetivo na região, impedindo o acesso de milhões de pessoas a alimentos, medicamentos, dinheiro e combustível, bem como a serviços básicos", reforçou a HRW.
"Na região adjacente de Amhara, comunidades deslocadas pelos combates e abusos têm descrito pilhagens e destruição de centros de saúde, e acesso limitado a cuidados médicos e alimentos", descreve-se ainda no comunicado da organização.
A HRW dá conta que durante as duas primeiras semanas de janeiro, pelo menos 108 civis foram mortos em ataques aéreos governamentais em Tigray, incluindo 59 num ataque aéreo de 07 de janeiro num local de deslocação interna.
Por outro lado, "embora o Governo tenha libertado alguns prisioneiros nas últimas semanas, milhares de etíopes de etnia tigray detidos arbitrariamente sob o estado de emergência geral do país permanecem em locais de detenção informais e formais", acusa-se no texto.
A organização de defesa dos Direitos Humanos olha ainda para vários outros conflitos ativos em África, como são exemplos o que decorre no norte de Moçambique.
"Em Moçambique, o grupo insurgente ligado ao Estado Islâmico (EI), localmente conhecido como Al-Shebab ou Al-Sunna wa Jama'a, cometeu numerosos abusos graves, incluindo ataques indiscriminados contra civis, raptos, e violência sexual. As forças governamentais também têm sido implicadas em graves abusos, incluindo ameaças e uso ilegal da força contra civis", começa por descrever a organização, para sublinhar "o nexo entre segurança e responsabilidade".
"Em muitos contextos, a falta de justiça para crimes graves - passados e presentes - pelas forças governamentais tem alimentado o recrutamento por grupos armados", afirma a HRW.
"A União Africana deve repensar a sua abordagem antiterrorista e de contrainsurgência e colocar o Estado de direito e a justiça e a responsabilização na linha da frente, defende a Human Rights Watch.
Além da crise etíope e moçambicana, os civis têm sido alvo de ataques em inúmeros outros locais do continente. De acordo com a HRW, grupos islâmicos armados, forças governamentais e milícias aliadas mataram pelo menos 800 civis durante ataques em toda a região do Sahel em 2021.
Por outro lado, cerca de 700.000 crianças estão fora da escola nas regiões anglófonas dos Camarões, devido a ataques de grupos separatistas armados.
Em todo o leste da República Democrática do Congo (RDCongo), a imposição pelo governo de Kinshasa de um regime militar para combater a insegurança na região não melhorou a proteção civil. "Mais de 1.900 civis foram mortos desde o início da lei marcial, em maio de 2021", contabilizou a organização.
No comunicado, a HRW chama ainda a atenção para a "vaga de golpes de Estado e de tomadas do poder por militares" no ano passado, incluindo no Burkina Faso, Chade, Guiné-Conacri, Mali e Sudão, "negando frequentemente aos cidadãos o direito de escolherem o seu Governo, invertendo progressos duramente conquistados no domínio do Estado de Direito, e resultando em graves violações dos direitos humanos".
"A instabilidade, a agitação cívica e as convulsões políticas estão frequentemente enraizadas nas queixas das pessoas acerca da corrupção e na perceção da relutância das elites políticas em cumprir as suas obrigações constitucionais e promessas de reformas, incluindo a promoção do pluralismo político e a demissão no final do seu mandato", sublinha a HRW.
A organização deixa um voto ao Presidente senegalês, Macky Sall, que assume a liderança da organização que reúne 55 estados africanos, reconhecendo que "o continente enfrenta enormes desafios de segurança e saúde, convulsões políticas e agitação social", nos termos de Kaneza Nantulya, mas sublinhando que "tem uma oportunidade de demonstrar a liderança e o empenho da UA nos seus princípios fundadores".
Macky Sall tem neste contexto a possibilidade de tomar "posições ousadas e intransigentes contra os abusos patrocinados pelo Estado, respondendo aos apelos das vítimas por proteção e justiça, e pressionando por relações multilaterais iguais e justas com o norte", afirma diretora da Human Rights Watch.
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