"Esta é a primeira vez que estão a aplicar a diretiva de proteção temporária, que eu sempre achei que devia ter sido adotada também em 2015", afirmou António Vitorino, em entrevista à agência Lusa.
"Só posso congratular-me com o facto de que tenha sido tomada esta decisão pelos Estados-membros e por Bruxelas porque a diretiva de proteção temporária destina-se exatamente a enfrentar este tipo de casos e de situações com que nos confrontamos neste momento na guerra na Ucrânia", disse o diretor da OIM.
Sobre se esta estreia irá abrir um precedente para os refugiados de futuras crises que queiram ser acolhidos por países da União Europeia (UE), Vitorino apenas admitiu esperar que a "eficácia [deste mecanismo] fique provada agora, na crise ucraniana".
"Não podemos especular" sobre o uso futuro desta diretiva de proteção temporária, referiu, acrescentando que o instrumento jurídico "foi concebido, desenhado, aprovado exatamente para situações deste tipo e, portanto, naturalmente, é um instrumento que os Estados-membros têm ao seu dispor".
A resposta da União Europeia ao fluxo de refugiados da Ucrânia desde o início da invasão russa, a 24 de fevereiro, tem mostrado diferenças em relação a outras vagas e crises migratórias, perante as quais Estados da UE decidiram construir muros, não autorizar desembarques nos portos ou, simplesmente, expulsar as pessoas para países terceiros.
"Cada crise é uma crise, tem a sua dinâmica, a sua realidade própria e nunca se pode extrapolar de uma crise para outra, porque o que é preciso é responder às necessidades mais urgentes das pessoas em cada caso", considerou António Vitorino.
Por outro lado, adiantou, "os países diretamente ligados à fronteira com a Ucrânia têm uma grande tradição histórica de partilha, de convívio" com os ucranianos.
"Cerca de dois milhões de ucranianos viviam na Polónia antes do início do conflito, (...) há toda uma zona de transposição da fronteira, de trabalhadores transfronteiriços muito significativa entre a Ucrânia e a Polónia. Portanto, aquela fronteira une mais do que divide e, nesse sentido, não há, digamos assim, nenhuma relação de estranheza em relação ao convívio com os ucranianos", justificou.
Por outro lado, acrescentou o responsável da agência da ONU, as circunstâncias atuais são "totalmente excecionais".
"Do outro lado da fronteira está uma guerra em curso, as pessoas estão em efetivo risco de vida e a generosidade e o acolhimento, não só das autoridades, mas também da sociedade civil e das organizações não governamentais dos países vizinhos tem sido notável", elogiou.
A possibilidade de outros migrantes e refugiados, de países africanos ou do Médio Oriente, por exemplo, olharem para o acolhimento europeu aos ucranianos como uma discriminação é algo que António Vitorino defende dever ser combatida.
"Nós sempre defendemos que, quando se trata de ameaças à vida e de dar proteção internacional, não pode haver discriminações em função da raça ou do território de origem. Essa é a postura permanente das Nações Unidas", garantiu.
Na crise da Síria, "os alemães também decidiram adotar um mecanismo de proteção para todos os sírios e eritreus que se apresentassem no território alemão em 2015", lembrou, reconhecendo, no entanto, que a resposta à crise na Ucrânia "foi mais robusta".
"Houve uma decisão da União Europeia de aplicar a todas as pessoas que vêm da Ucrânia o mecanismo da proteção temporária", referiu.
"Nesse sentido, a maior diferença entre estas duas crises é que, desta vez, os mecanismos de proteção foram decididos a nível central europeu, aplicando uma lei europeia - que, aliás, foi por mim proposta e adotada em 2001, quando eu era comissário europeu - e que vai ser aplicada por todos os países da União Europeia. Isso não se verificou na crise síria", concluiu.
A diretiva de proteção temporária assenta na solidariedade entre os Estados-membros e prevê uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos países da UE ao acolherem as pessoas deslocadas, não impondo, porém, uma distribuição obrigatória dos requerentes de asilo.
Esta legislação permitirá aos refugiados ucranianos permanecer até três anos na UE -- até agora, as estadias dos detentores de passaporte ucraniano não podiam exceder os 90 dias -, trabalhar, aceder ao sistema escolar e receber cuidados médicos.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que, segundo as autoridades de Kiev, já fez mais de 2.000 mortos entre a população civil.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.
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