Desacordo entre juízes sobre financiamento britânico a gás em Moçambique

O desacordo entre dois juízes deixou em aberto o resultado de uma ação judicial lançada por uma organização ambientalista britânica para bloquear o investimento do Governo britânico no projeto de extração de gás natural em Moçambique.

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Lusa
15/03/2022 16:46 ‧ 15/03/2022 por Lusa

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Na decisão publicada hoje pelo Tribunal Superior [High Court] de Londres, a juíza Justine Thornton considerou que a agência de crédito à exportação britânica UK Export Finance (UKEF) não cumpriu a obrigação de calcular o impacto do projeto em termos de emissões de gases com efeito de estufa. 

A "falha em quantificar as emissões" e "outras falhas no relatório [de impacto] ambiental significa que não havia base racional para demonstrar que o financiamento ao projeto é consistente com o artigo 2(1)(c) do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas e um caminho para baixas emissões de gases com efeito de estufa", escreveu.

Pelo contrário, o juiz Jeremy Hugh Stuart-Smith considera que "havia obrigação legal ou política de quantificar as emissões" e que "implícito, óbvio e aceite que o desenvolvimento de um grande campo de LNG [gás natural liquefeito, na sigla inglesa] resultaria em níveis muito altos de emissões". 

"A UKEF tinha o direito de formar a opinião de que o apoio ao projeto que estava em consideração estava de acordo com as obrigações sob o Acordo de Paris", argumenta, acrescentando que a visão da UKEF de que o projeto estava em alinhamento em geral com as políticas de alterações climáticas declaradas por Moçambique era aceitável e não se mostrou errada".

Tendo em conta que não foi alcançado um consenso entre ambos os juízes, a organização Friends of the Earth, que hoje mobilizou cerca de uma dezena de ativistas junto ao tribunal, disse que aguarda uma ordem judicial que determine o resultado final. 

Os manifestantes gritaram palavras de ordem como "mantenham o petróleo no solo" e "os combustíveis fósseis têm de desaparecer", enquanto seguravam cartazes onde se lia "Parem o financiamento ao gás em Moçambique".

A organização britânica pediu no ano passado uma revisão judicial ao financiamento do Governo ao projeto moçambicano, alegando que desrespeita os compromissos de Londres para com o Acordo de Paris e as metas para travar o aquecimento global.

"Normalmente num tribunal existe um número ímpar de juízes ou um único juiz para que uma opinião maioritária pode ser alcançada. Aqui temos uma decisão dividida", explicou hoje à agência Lusa o responsável pelos assuntos jurídicos da Friends of the Earth, Will Rundle. 

No caso de a decisão final ser desfavorável, admite avançar com recurso. 

A responsável pelas campanhas internacionais da organização, Rachel Kennerley, considera que a opinião favorável de um juiz de um tribunal de alta instância é "muito significativa" e um "sucesso".

"Uma das razões pelas quais este caso e esta decisão são significativos é que a avaliação climática falaciosa que foi usada pela UKEF foi realmente levada em conta por muitas outras agências de crédito à exportação que também estavam envolvidas neste projeto. Portanto, abre um precedente para desafiar essa avaliação [de impacto] ambiental", disse à Lusa.

O Governo britânico providenciou até 1.150 milhões de dólares (1.350 milhões de euros no câmbio atual) através da agência de crédito à exportação UKEF ao projeto gás natural liquefeito 'offshore' na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, norte de Moçambique.

A organização ambientalista estima que o projeto vai ser responsável pela libertação de entre 3.300 e 4.500 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera ao longo da duração do projeto. 

A Área 1 do Projeto está concessionada a um consórcio liderado pela petrolífera francesa Total, que teve de suspender as obras de construção do empreendimento devido aos ataques de grupos armados na província de Cabo Delgado.

Avaliado entre 20 e 25 mil milhões de euros, o megaprojeto de extração de gás da Total é o maior investimento privado em curso em África, suportado por diversas instituições financeiras internacionais e prevê a construção de unidades industriais e uma nova cidade entre Palma e a península de Afungi.

Antes de a construção ser suspensa, a primeira exportação de gás liquefeito estava prevista para 2024.

Rachel Kennerley rejeitou os argumentos do Governo britânico de que é necessário garantir o fornecimento de petróleo e gás natural de fontes alternativas à Rússia, tendo em conta a recente invasão da Ucrânia, que resultou num aumento dos preços da energia. 

"Abrir novos campos de gás, novos campos de petróleo no Reino Unido, mas também em todo o mundo, incluindo este projeto em Moçambique, não vai ajudar nesta crise. Esta crise existe porque estamos mais dependentes do gás. (...) O que precisamos é de mudar para uma forma de energia mais segura, como as renováveis, que seja barata, limpa e segura", defendeu.

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