"Passividade de Guterres face a iminência da guerra foi inacreditável"

Franz Baumann, ex-secretário-geral Adjunto da ONU, disse hoje à Lusa que a "passividade de António Guterres perante a iminência da guerra na Ucrânia foi inacreditável", admitindo que o líder da organização seja indevidamente aconselhado.

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Lusa
22/04/2022 23:26 ‧ 22/04/2022 por Lusa

Mundo

Rússia/Ucrânia

Para o alemão, que foi secretário-geral Adjunto para a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e conselheiro Especial para o Meio Ambiente e Operações de Paz até ao final de 2015, António Guterres devia ter sido "muito mais ativo" em janeiro, antes da guerra começar.

Em entrevista à Lusa, Baumann criticou ainda o facto de o ex-primeiro-ministro português ter pedido ao Presidente russo, Vladimir Putin, que o recebesse em Moscovo, frisando que "um secretário-geral da ONU não pede para ser recebido, ele anuncia que está a ir".

Na terça-feira, António Guterres pediu que Vladimir Putin o recebesse em Moscovo, e que o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, o recebesse em Kyiv, para discutir "passos urgentes" para travar a guerra.

De acordo com o porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, esse pedido foi feito através de cartas separadas entregues às Missões Permanentes da Federação Russa e da Ucrânia nas Nações Unidas.

A resposta do Kremlin chegou nesta sexta-feira, com a ONU a confirmar que António Guterres visitará Moscovo no dia 26 de abril, onde irá encontrar-se com Putin.

O anúncio do pedido de viagem de Guterres à Rússia surgiu 24 horas depois de mais de 200 antigos dirigentes da ONU, entre eles Franz Baumann, dirigirem uma carta ao secretário-geral, com um apelo para que seja mais proativo em relação a esse conflito.

"Acho que é uma coincidência curiosa que este anúncio, de pedido de visita a Moscovo e Kyiv, tenha surgido 24 horas após termos enviado uma carta a criticar a sua passividade", disse Baumann.

"Mas estas cartas enviadas (às missões permanentes na ONU) causaram-me ainda mais impressão. Guterres pediu para ser recebido por Putin. Um secretário-geral da ONU não pede, ele anuncia que está a ir. Putin poderia dizer qualquer desculpa para não o receber. Guterres devia só avisar o dia em que ia e voar para lá", avaliou o alemão.

Baumann afirmou que admira Guterres e que até fez campanha pelo português quando se candidatou para secretário-geral da ONU em 2016, mas advogou que Guterres "pode não estar a ser aconselhado devidamente" por quem o rodeia.

"Guterres deveria ter começado a ser ativo bem antes do início (da guerra), em 24 de fevereiro. Isso é muito tarde. Já havia milhares de militares à volta da Ucrânia há várias semanas e toda a gente temia que esta invasão acontecesse, os agentes de inteligência norte-americanos já diziam que a Rússia iria invadir", disse.

"Então, o secretário-geral, ao abrigo da carta das Nações Unidas, tem o direito e o dever de levar ameaças à segurança internacional à atenção do Conselho de Segurança. Eu esperava que ele tivesse viajado para Moscovo em janeiro. Ele deveria ter escalado em Pequim, Nova Deli e para a África do Sul (países que se têm colocado ao lado da Rússia), mas certamente para Moscovo e para Kyiv", reforçou.

Para o antigo secretário-geral adjunto, uma visita em janeiro de Guterres à Rússia seria uma oportunidade de ver se Putin mentiria a um secretário-geral da ONU ao negar que invadiria o território ucraniano.

"Guterres deveria ter ido à Rússia e ver se Putin lhe dizia que não invadiria a Ucrânia. Porque uma coisa é mentir a um jornalista - sem querer desrespeitar, mas se ele tivesse dito ao Guterres que não invadiria a Ucrânia, e mesmo assim invadisse, isso teria sido uma violação muito mais flagrante".

"A passividade de Guterres perante a iminência da guerra foi algo inacreditável", criticou.

De acordo com Franz Baumann, Guterres deveria ter seguido os passos de anteriores secretários-gerais da ONU, como Javier Pérez de Cuéllar e Kofi Annan, que "voaram para países onde a guerra estava iminente, para prevenir o conflito".

"Penso que o facto de Guterres não ter voado logo em janeiro para a Rússia foi a sua primeira omissão", frisou o alemão.

Baumann avaliou ainda que esta deslocação à Rússia não irá pôr um fim à guerra, mas Guterres "poderá conseguir acesso humanitário para que as pessoas não morram à fome em Mariupol"

"Eu acho que Putin é um ditador, já investiu demasiado nesta guerra, por isso a tendência é só escalar. Ele não pode simplesmente dizer ao secretário-geral que mudou de ideias", disse.

"Mas se António Guterres tivesse feito algo diferente no início, se ele tivesse criado um grupo de países, ele não estaria a trabalhar sozinho, nem só com os norte-americanos, porque um secretário-geral não trabalha sozinho. Travar um conflito que já começou é muito, mas muito mais difícil", acrescentou.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de dois mil civis, segundo dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.

A ofensiva militar causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas, mais de cinco milhões das quais para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU -- a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Leia Também: Kyiv acusa grupo francês de contornar sanções e vender material à Rússia

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