Limitação do veto no Conselho de Segurança pode travar "arbitrariedade"
A resolução aprovada pelas Nações Unidas que procura reduzir o uso do veto no Conselho de Segurança pode travar "timidamente" a "arbitrariedade" dos membros permanentes, mas com impacto momentâneo, disse hoje à Lusa um especialista.
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Para Rafael Mesquita, professor assistente no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Brasil, o poder de veto dos cinco membros permanentes - Estados Unidos da América (EUA), Rússia, China, França e Reino Unido - é "um motivo de inquietação para os países mais fracos" desde a génese da ONU, pelo que, ao longo dos anos, várias tentativas de mudança foram feitas.
"Por um lado, os países mais fracos frustram-se com a capacidade de um único membro permanente travar todo o Conselho de Segurança; por outro lado, certamente as grandes potências jamais participariam numa instituição como a Organização das Nações Unidas (ONU) sem essa garantia de que a organização não se voltaria contra elas", disse o investigador brasileiro, frisando que a invasão russa da Ucrânia criou o sentimento necessário para reacender esse debate na Assembleia-Geral da ONU.
Nesse sentido, a Assembleia-Geral aprovou na terça-feira por aclamação (sem necessidade de votação) uma resolução proposta pelo Liechtenstein, e apoiada por dezenas de países, que pretende reduzir o uso do veto no Conselho de Segurança, obrigando as cinco potências permanentes a dar explicações ao resto dos Estados-Membros cada vez que fizerem uso desse privilégio.
Embora essa proposta circule há mais de dois anos, a sua aprovação acelerou-se após a Rússia ter vetado resoluções contra a invasão da Ucrânia, apesar do apoio da maioria do Conselho de Segurança.
Contudo, para Rafael Mesquita, coautor de um estudo sobre a dinâmica de votação na ONU, há o risco de essa resolução cair em desuso com o passar do tempo.
"O texto proposto é inteligente pois prevê uma resposta regimental e, embora para quase todas as questões as resoluções da Assembleia não sejam vinculativas, no que tange a procedimento podem sê-lo. Assim, talvez a proposta consiga reduzir um pouco a arbitrariedade dos permanentes, mas creio que só muito timidamente", avaliou.
"Já vimos no passado manobras para aumentar a força da Assembleia sobre o Conselho, mas essas inovações acabam sendo respostas momentâneas que, passada a crise, caem em desuso - como foi o caso da resolução 'Uniting for Consensus'", observou o docente, referindo-se a um movimento que se desenvolveu na década de 1990 em oposição à possível expansão do Conselho de Segurança.
A existência do veto é uma das questões mais criticadas no funcionamento das Nações Unidas desde a sua criação, no final da Segunda Guerra Mundial.
Desde 1946, o veto foi usado cerca de 300 vezes, quase metade delas pela União Soviética ou pela Rússia, que herdou a sua cadeira.
Além da Ucrânia, Moscovo travou outras iniciativas nos últimos anos, incluindo várias resoluções relacionadas com a guerra na Síria, em várias ocasiões com o apoio da China -- o país que historicamente menos usou esse privilégio.
Nas últimas décadas, os EUA usaram-no sobretudo para bloquear textos críticos de Israel, enquanto a França e o Reino Unido não exercem esse privilégio desde 1989.
Na sessão de terça-feira, em que foi aprovada a resolução que procura reduzir o uso do veto, países como a França e o Reino Unido, membros permanentes do Conselho de Segurança, defenderam a limitação desse poder.
"A Carta da ONU confere aos membros permanentes o poder de veto. Esta é uma responsabilidade pesada, a ser usada no interesse de garantir a paz e a segurança que as pessoas ao redor do mundo procuram, e a ONU foi criada para fornecer", disse a embaixadora do Reino Unido, Barbara Woodward, após a adoção da iniciativa de veto
"Não deve ser usado de ânimo leve. E não deve, acreditamos, ser usado sem responsabilidade. Não deve impedir o Conselho de cumprir o seu mandato -- razão pela qual apoiámos esta resolução", frisou a embaixadora.
Já a diplomata francesa Nathalie Broadhurst recordou que a França, juntamente com o México, promove há vários anos uma iniciativa sobre o uso do veto, que envolveria a suspensão voluntária e coletiva, por parte dos cinco membros permanentes do Conselho, do uso do veto em caso de atrocidades em massa.
Por outro lado, a Rússia e a China criticaram a resolução, com o diplomata russo Gennady Kuzmin a chamar o veto de "uma pedra angular da arquitetura da ONU" e alertou que "sem ele, o Conselho de Segurança se tornaria um órgão que se limita a carimbar decisões questionáveis impostas por uma maioria simples, cuja implementação dificilmente seria possível".
O representante da China, Jiang Hua, disse que o caráter automático da convocação da Assembleia-Geral, "na prática, provavelmente causará confusão e inconsistência processual".
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