"A situação de tensão na Transnístria parece ser coerente com o discurso de legitimação das intervenções emitidas pelo Presidente russo Vladimir Putin, e que consiste na proteção das minorias russófonas", considerou à Lusa Nuno Severiano Teixeira, professor Catedrático e atual diretor do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).
"Havendo na Transnístria um grupo russófono, inclui-se no discurso que legitima as suas intervenções. Se é um objetivo, ou não, chegar à Transnístria através do sul da Ucrânia, o tempo o dirá. Mas se isso acontecer, será potencialmente desestabilizador para toda aquela zona, e não sabemos que efeito terá em termos de potenciais alianças", sustentou.
Para além do discurso de legitimação da proteção das minorias russófonas, a eventual intervenção militar da Rússia nessa autoproclamada república permanece uma incógnita.
"É muito difícil dizer que a Rússia terá esse objetivo. Não se pode dizer com absoluta certeza que tem esse objetivo. Mas que se inclui na tendência que tem vindo a ser efetuada desde a Geórgia, depois Crimeia, agora na Ucrânia, no Donbass, é um facto, essa tendência existe", prosseguiu o ex-ministro da Defesa e da Administrado Interna, numa referência ao aumento da tensão nesta região separatista russófona, uma faixa territorial situada no leste da Moldova.
Para Lívia Franco, professora associada do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, o caminho da Moldova é o da ocidentalização definitiva e da sua integração nas estruturas euro-atlânticas, apesar de os separatistas russófonos da Transnístria poderem introduzir elementos de instabilidade.
"Do ponto de vista cultural, a Moldova e os moldavos ocidentais sabem muito bem o que querem. Deste ponto de vista, diria que estão muito próximos da Ucrânia e da Geórgia", assinalou à Lusa.
"Mas outra coisa é que os moldavos russófonos consigam aproveitar a complexificação da situação para introduzir maiores elementos de instabilidade, nomeadamente instabilidade política", adiantou.
Na segunda-feira, 25 de abril, diversas explosões atingiram o edifício do Ministério da Segurança do Estado em Tiraspol, a capital desta região, com o presidente da autoproclamada República da Transnístria, Vadim Krasnoselsky, a denunciar "três atentados terroristas" e apelar à instauração de medidas de segurança antiterroristas e a um alerta vermelho" durante 15 dias.
Antes, a 22 de abril, um alto responsável militar russo tinha referido que a intenção de controlar todo o sul da Ucrânia, na sequência da invasão de 24 de fevereiro, também se destina a criar um corredor em direção à Transnístria.
"Julgo que vai haver esse aproveitamento e essa tentativa de instrumentalização. Mas parece que o Governo tem um bom apoio junto da opinião pública, de que o caminho da Moldova é o da ocidentalização definitiva e da sua integração nas estruturas euro-atlânticas, em particular na União Europeia. É por isso que a Moldova, logo uma semana após o pedido de candidatura da Ucrânia, também foi atrás, tal como a Geórgia", explicitou a académica.
Apesar de a Moldova, uma ex-república soviética que obteve a independência em 1991, se considerar um "país neutro", esse fator não impede o prosseguimento da sua aproximação ao ocidente, em particular após a vitória das forças "pró-europeias" nas legislativas de 2021 e da eleição para a presidência, no ano anterior, da também pró-europeia Maia Sandu.
"A Moldova é um país frágil, pobre, que já teve uma posição prudente, dizer que não quer aderir à NATO, mas gostaria de aderir à União Europeia, uma posição de algum equilíbrio perante a possibilidade da ameaça russa", assinala Severiano Teixeira.
Uma perspetiva partilhada por Lívia Franco, para quem a Moldova não vai colocar grandes problemas à União Europeia", prevendo antes mais problemas com a NATO, num processo de eventual adesão e que parece muito longínquo.
"Apesar de a União Europeia ser uma aliança política, há outros países da UE com estatuto de neutralidade, como a Irlanda ou Áustria. Não me parece que configura nenhum obstáculo, nenhum problema objetivo", afirma.
Ainda na perspetiva da académica, será antes uma questão de "maior instabilidade política", apesar de considerar não existir "a possibilidade de um retorno, ao existirem sinais claros no sentido da ocidentalização".
No entanto, admite que com um o Governo pró-europeu na Moldova, o aumento da tensão na Transnístria poderá implicar um agravamento da situação política interna no país. "E por isso a Rússia está a reagir, a olhar para a Transnístria e para a zona da Moldova".
Lívia Franco exclui um envolvimento militar russo em outros países junto às suas fronteiras, onde também coabitam importantes minorias russófonas, como os casos da Letónia ou Estónia, também ex-repúblicas soviéticas e atuais Estados-membros da NATO.
"No entanto, e em relação à política externa russa nunca podemos dizer não, na medida em que o critério da racionalidade nunca é o nosso", assinala.
"Nestes territórios do espaço pós-soviético", concretiza", "calha bem esse argumento das minorias russófonas, e poder usá-los para fins estratégicos à exceção dos três países bálticos. Até porque a história dos três países do Báltico [Estónia, Letónia, Lituânia] relativamente à sua inclusão na União Soviética foi bastante diferente".
Neste contexto, não considera que essa reivindicação seja utilizada como argumento para uma expansão que extravase as "fronteiras naturais" do espaço pós-soviético. "Mas a Transnístria está dentro desse espaço. No fundo é como a continuação do Donbass", argumentou.
Numa referência à atual situação militar no terreno, a professora associada do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica considera que a eventual abertura de uma nova frente em direção à Transnístria significa a continuação do "arco de ocupação" desde Kharkiv, a norte, que passa pelo leste e pela costa sul da Ucrânia, e que completa o arco na Transnístria.
"Se virmos o mapa, vemos que as forças russas se estão a posicionar de forma a cercar essa faixa do leste e sul ucraniano", explicitou.
"Nas primeiras largas semanas das operações militares russas vimos as dificuldades que tiveram com as linhas de abastecimento, um ponto essencial. Se conseguirem garantir o controlo desse arco, e que garante a ligação terrestre à Crimeia, têm o controlo das linhas de abastecimento e mesmo um acesso direto a quartéis, algo de fundamental do ponto de vista operacional", concluiu Lívia Franco.
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