"Muito do que estas tecnologias fazem é realmente ajudar em tempo de seca", disse Beth Dunford, vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para a agricultura e o desenvolvimento humano e social, em entrevista à Lusa à margem dos encontros anuais do BAD, em Acra, no Gana.
O BAD anunciou na semana passada um Plano Africano de Produção Alimentar de Emergência, no valor de 1,5 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) que irá beneficiar 20 milhões de agricultores com sementes e fertilizantes, bem como outros insumos agrícolas para produzir 38 milhões de toneladas de alimentos, no valor de 12 mil milhões de dólares (11,2 mil milhões de euros).
Isto incluirá 11 milhões de toneladas de trigo, 18 milhões de toneladas de milho, seis milhões de toneladas de arroz e 2,5 milhões de toneladas de soja.
À Lusa, Beth Dunford lembrou que a guerra na Ucrânia deixou no continente africano um "nível inaceitável de insegurança alimentar, que está a aumentar".
"Milhões de africanos vão para a cama com fome todas as noites" e isso acontece em parte porque a guerra "expôs a vulnerabilidade do continente africano a importações muito caras para suprir necessidades muito básicas", disse.
Os preços dos principais produtos básicos subiram de 20 a 50%, o que obviamente atinge mais os mais pobres, enquanto os fertilizantes subiram de 200 a 300%, recordou.
A banqueira disse que esta não é a primeira vez que África enfrenta uma crise alimentar e, embora possa parecer mais grave porque o continente ainda estava a recuperar da pandemia, a crise atual tem uma particularidade: surge num momento em que se investiu muito em agricultura e há tecnologias que não existiam antes.
"Estou a falar de sementes adaptadas ao clima que não existiam. Estas tecnologias existem mesmo, mas não estão a chegar aos agricultores em escala", disse Dunford, explicando que o programa Tecnologias para a Transformação Agrícola de África (TTAA) está a trabalhar para mudar essa situação.
Questionada sobre se este plano ajudará em situações de seca severa como a que afeta atualmente o sul de Angola, o Corno de África ou o sul de Madagáscar, Dunford disse: "Já vimos estas tecnologias em tempo de seca. Há uma redução de produção devido à seca, mas não tão severa. As perdas não são tão grandes".
E exemplificou com o caso da Etiópia, onde trigo tolerante ao calor, uma tecnologia que não existia há 10 ou 15 anos, permite aos agricultores plantar em zonas onde não conseguiam, por serem demasiado quentes, e mesmo assim aumentarem drasticamente as suas colheitas.
A Etiópia, que estava dependente da importação de trigo na ordem de 1,6 milhões de toneladas por ano, têm agora 600 mil hectares de trigo e conseguem colher três a quatro toneladas de trigo por hectare quando antes só colhiam 1,5.
"Mais importante, este ano a Etiópia não teve de importar trigo (...) e espera exportar no próximo ano. É este tipo de sucesso e transformação que queremos escalar para todo o continente", afirmou.
Com recurso ao plano de 1,5 mil milhões de dólares, o BAD espera produzir 38 milhões de toneladas de alimentos, afirmou Dunford, quando a guerra na Ucrânia deixou um fosse de 30 milhões.
A banqueira acrescentou que todos os países africanos são elegíveis para recorrer ao mecanismo, e o BAD está já a aceitar pedidos de Governos.
"O mecanismo acaba de ser lançado e estamos a trabalhar nele neste momento (...). Estamos a lançá-lo muito, muito rapidamente, usando métodos de desembolso muito rápidos para levar essa assistência aos governos que realmente precisam dele agora", afirmou.
Embora não produza resultados imediatos, para isso existem as organizações humanitárias que dão assistência alimentar, o mecanismo vai produzi-los ao longo das próximas quatro épocas agrícolas.
"Não será no prazo imediato, mas no curto e no médio prazo, lançando as bases para o longo prazo", disse.
O objetivo, sublinhou, é "lançar as bases para essa transformação da agricultura" que o BAD procura em África.
A agricultura é uma das apostas do BAD, cujo presidente, Akinwumi Adesina, acredita que o continente tem potencial para se tornar a solução para a crise alimentar global.
O responsável defende uma agricultura moderna, com tecnologia apropriada, produtividade e enquadrada com as infraestruturas necessárias, rodoviárias, de energia, de irrigação, logísticas.
"Chegou o tempo de África, não só produzir comida, mas também processar comida. Embalar comida. África deve ter padrões de qualidade nos alimentos que produz e deve exportar. Quando falamos de agricultura, não falamos de agricultura para manter a pobreza, mas sim para criar riqueza para África", concluiu.
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