Em entrevista à Lusa, Heidi Schroderus-Fox, alta representante interina da ONU para os países menos desenvolvidos, países em desenvolvimento sem litoral e pequenos estados insulares em desenvolvimento (SIDS), afirmou que também a pandemia de covid-19 trouxe impactos a vários níveis, que serão sentidos nos próximos anos.
"Inquestionavelmente, a pandemia trouxe um dos maiores choques em gerações, com grandes implicações económicas, sociais e geopolíticas nos próximos anos. Da mesma forma, todos vemos as manchetes de como a guerra na Ucrânia está a ter impacto nos preços globais da energia e na segurança alimentar, particularmente em África, que abriga 33 dos 46 países menos desenvolvidos do mundo", disse.
"Existe um risco muito real de que as crises atuais desviem a atenção do mundo de uma catástrofe climática, tanto em termos de impactos imediatos, como também pelo facto de alguns países planearem extrair mais combustíveis fósseis porque enfrentam níveis insustentáveis de dívida", alertou.
A alta representante da ONU frisou que os países menos desenvolvidos do mundo, os países em desenvolvimento sem litoral e os SIDS, num total de 91 países que abrigam pouco mais de mil milhões de pessoas, estão entre as nações mais vulneráveis do mundo neste momento.
Esses países já se encontravam a lutar contra os altos impactos da crise climática quando a pandemia de covid-19 surgiu e ameaçou levar muitos deles ao limite.
Além disso, enfrentam um duplo golpe de dívida externa crescente, agravada por grandes custos causados por desastres e vulnerabilidades estruturais.
"Os países em desenvolvimento sem litoral também estão a lutar contra uma infinidade de desastres climáticos: degradação da terra, seca, derretimento de geleiras, inundações e muitos outros. Já se olharmos para os SIDS, um único evento climático catastrófico pode acabar com anos, se não décadas, de desenvolvimento duramente conquistado numa questão de minutos", afirmou Heidi.
A alta representante deu como exemplo Dominica, o país do Caribe que foi atingido pelo furacão Maria em 2017, que causou danos equivalentes a 226% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Além disso, investigações indicam que nações insulares de atóis de baixa altitude, principalmente no Pacífico, como as Ilhas Marshall, Tuvalu e Kiribati, correm o risco de ficarem submersas até ao final do século.
"Essas são as nações que menos contribuem para as emissões globais de gases de efeito estufa, mas que se encontram na linha de frente de múltiplas crises. Com baixa capacidade técnica e financeira para responder e se adaptar, cabe à comunidade internacional apoiar essas nações na construção de resiliência a choques ambientais, mas também económicos, agora e no futuro", reforçou.
Contudo, de acordo com a diplomata da Finlândia, existe um outro lado da moeda, sendo que estas crises que o mundo atravessa podem também ajudar-nos a concentrar a nossa atenção "mais diretamente em soluções para resolver a crise climática".
Uma das maiores sondagens de opinião pública sobre mudanças climáticas foi realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2020 e mostrou que quase dois terços das pessoas em todo o mundo reconhecem as mudanças climáticas como uma emergência global, dados que deixaram Heidi Schroderus-Fox otimista.
A diplomata também se mostrou confiante com o número crescente de países que anunciaram compromissos para alcançar emissões líquidas zero nas próximas décadas.
Junta-se a isso o facto de o movimento juvenil ter "uma influência descomunal" ao pressionar os líderes mundiais por ações climáticas mais ousadas, declarou.
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